É freqüente,
nas instituições, defrontarmo-nos com certo tipo de situações muito
complicadas que, apesar de serem causa de grandes tormentos e de provocarem
profundo incômodo, perduram sem solução por longo, muito longo tempo.
Na verdade, constituem uma cadeia de realimentação circular de eventos
que apresenta como característica principal a entropia: no redemoinho
da circularidade, tudo acontece para que nada, de fato, aconteça.
É desse
modo que aparecem, para o observador externo, e com mais freqüência
do que seria de se desejar, situações de conflitos crônicos em instituições
de natureza a mais diversa: conflitos societários, conflitos de sucessão
em empresas familiares, situações encapsuladas de indiscriminação de
papéis, de falta de definição nas linhas de poder e no processo hierárquico
de decisão, e nas quais todo esforço organizativo ou de elaboração estratégica,
quando muito, resulta em confusão e mais indiscriminação.
Na maioria
dos casos, essas situações esdrúxulas não só afetam o estado de ânimo
das pessoas, mas também causam sérios prejuízos materiais, quando não
são responsáveis por outros males, incluindo mesmo a geração de problemas
de saúde mais ou menos graves.
Diante
de casos como esses, é inevitável perguntar: como pode acontecer que
pessoas inteligentes e competentes profissionalmente, no pleno domínio
de suas faculdades, percam tanto tempo, desgastem tantas energias, e
se façam tão mal umas às outras, convivendo em circunstâncias obviamente
insalubres de todos os pontos de vista, principalmente do psicológico?
É surpreende ver como, compartilhando de condições tão objetivamente
incômodas, são, no entanto, incapazes de encontrar para elas soluções
minimamente razoáveis.
Os três
princípios da Teoria Geral dos Rolos
A teoria geral dos rolos está sustentada em três princípios básicos
que agora enumero, e a respeito dos quais, a seguir, tecerei algumas
considerações:
1. Todos os rolos começam com ambigüidades e indiscriminações.
2. Os rolos crescem e aumentam na medida em que as decisões com eles
relacionadas são parciais, e não levam em consideração a totalidade.
3. Finalmente, quando armados os rolos, eles não se resolvem porque,
no meio dos rolos, ninguém aceita perder absolutamente nada!
Formulados os princípios, tentarei comentá-los.
O primeiro
princípio: a origem dos rolos
A imensa maioria dos grandes rolos que conheci, começaram de um modo
quase imperceptível. Por alguma razão, em um dado momento, uma situação
de conflito, em vez de ser encarada e resolvida, ou não foi devidamente
identificada, permanecendo num canto obscuro e confuso da consciência,
ou foi contornada ou evitada através do expediente da ambigüidade.
Isso
pode ocorrer por diversas razões: ou porque as pessoas, pressionadas
por outros conflitos, não se sentem com energias para tratar ainda de
mais uma situação potencialmente dolorosa e estressante, ou ainda porque
não identificam precocemente, ao se depararem com a situação inicial
a partir da qual o rolo se inicia, o conteúdo confusional e ambíguo
e toda a extensão de seus possíveis desdobramentos, ou também porque,
ao se depararem com a ambigüidade inicial do conflito, imaginam que
poderão tirar dela alguma vantagem futura, e, por isso, decidem não
adotar uma atitude mais clara e interpelativa, que resulte na resolução
precoce da situação de falta de limites e de indiscriminação que dá
origem a todos os rolos.
O fato
é que se instala, a partir daí, uma primeira situação de referência,
a partir da qual outros fatos passam a se desdobrar, além de ocorrerem
outros acontecimentos que com ela vêm interagir, numa relação acumulativa
de mútua implicação e complicação.
É por
tudo isso que o primeiro princípio da Teoria Geral dos Rolos afirma
que todos eles começam com ambigüidades e indiscriminações.
O segundo
princípio: o crescimento dos rolos
A regra inexorável dos rolos é a de se transformarem de um pequeno mal-entendido
inicial num equívoco de tamanho e extensão insuportáveis.
Esse
processo ocorre na medida em que, sobre o equívoco inicial, vão se sobrepondo,
no decorrer do tempo, uma série interminável de outras ambigüidades
e indiscriminações. É como o caso do mentiroso contumaz que, para encobrir
a primeira mentira, tem que inventar uma outra, e depois mais outra,
terminando por não conseguir mais discriminar verdade de fantasia.
Para
que os rolos cresçam e aumentem, assumindo sua proporção fantástica,
algo de semelhante ocorre.
Em função
dos desdobramentos do conflito inicial e de outros eventos que com ele
vêm interagir, terminam por se propor inúmeras situações novas que implicam
decisões. A função realimentadora ocorrerá na medida em que, para se
manter a posição inicial de evitação do conflito, tomam-se decisões
parciais, que desconhecem, ou até afrontam explicitamente, a compreensão
mais integrada do quadro contextual dentro do qual se encaixam.
Assim,
há o crescimento do rolo: e quanto maior ele for, menos disposição há
para enfrentá-lo.
O terceiro
princípio: a perpetuação dos rolos
Armados os grandes rolos, eles tendem a perpetuarem-se. Há, mesmo, rolos
que atravessam gerações
O que
mais surpreende nas situações de rolos é a absoluta incapacidade das
pessoas de resolvê-los, apesar de sua indiscutível sinceridade, quando
nos afirmam que desejam intensamente sua solução e seu fim.
Por
que, então, os rolos não se resolvem espontaneamente?
Na verdade, o fio do argumento que articula todo o drama que se constrói
em torno dos rolos é o da negação da perda. E é por isso que os rolos
parecem não ter solução: no meio do torvelinho dos rolos, ninguém se
dispõe a perder absolutamente nada!
Há um
velho ditado que diz que é preferível ficar vermelho cinco minutos do
que amarelo a vida inteira. No caso dos rolos, fica-se pálido a vida
inteira para não enrubescer por cinco minutos.
É desse
modo que, estupidamente, as pessoas continuam acumulando ressentimentos,
dançando num baile louco em torno de um espantalho imaginário. Compulsivamente
envolvidas no desenrolar de seu drama, desconhecem a dimensão verdadeira
da realidade em que estão imersas, já que confundem os desafios e limites
reais que ela comporta com perdas e ameaças que só existem em suas fantasias.
Desenrolando
rolos
Os rolos começam a ser desenrolados quando, de dentro da obscuridade
que os carateriza, surge uma luz: um ou mais dos seus protagonistas
envolvidos retomam contacto, por tênue que seja, com a lucidez.
Em geral essa lucidez começa a aparecer quando, do fundo de si mesmas,
as pessoas começam a expressar a profunda indignação existencial que
sentem com a situação em que se encontram: assim não dá mais,
reconhecem.
Pressuposta
a presença desse impulso existencial vital, três são os princípios que
presidem o desenrolar dos rolos:
1. Predispor-se a aceitar perdas.
2. Construir um cenário o mais completo possível da situação, estabelecendo
com clareza a direção a ser seguida a longo prazo, de modo a orientar
com segurança as diversas decisões parciais que se propõem durante a
resolução dos rolos.
3. Em cada situação específica, predispor-se a interpelar, com dignidade
e objetividade, as pessoas, para discriminar os componentes tácitos,
não falados, dos conflitos, dissolvendo a confusão causada pelas ambigüidades
e indiscriminações que fizeram surgir os rolos.
Como
se pode bem ver, estes três princípios que orientam o desenrolar dos
rolos são, na verdade, corolários dos três princípios anteriores, tomados
na sua ordem inversa.
De todos,
o primeiro, e mais fundamental, é o de predispor-se a aceitar perdas.
A verdade, sendo as situações de rolos caracterizadas por ambigüidades
e indiscriminações de raiz, o predispor-se a aceitar perdas resultará
na constatação de que a maioria delas são mais fantasiadas do que reais.
O fato é que o quadro confuso de ambigüidades e indiscriminações cria
um espaço cinzento, no qual fantasias irrealistas de ganho e
de sua possível perda são depositadas, ao mesmo tempo, por todos
os participantes do drama, no núcleo dos rolos.
É por
isso que, freqüentemente, associadas às situações em que ocorrem os
rolos, há expectativas sem alicerce real de apropriação de espaço, de
poder, de prestígio ou de bens e de dinheiro.
Predispor-se
a aceitar perdas é, na verdade, uma condição essencial para elaborar
soluções criativas que tantas vezes resultam em surpreendentes processos
de reparação mútua e de construção de bases muito mais saudáveis de
cooperação.
Se houver
paciência e persistência, e se houver a compreensão de que situações
de conflito alimentadas durante muitos anos também necessitarão de algum
tempo para serem resolvidas, é possível esperar que a complicação aparentemente
insolúvel dos grandes rolos seja equacionada e superada com surpreendente
simplicidade.
Para
isso é importante resgatar o direcionamento estratégico perdido, predispor-se
a falar e a ouvir as pessoas, adquirir coragem para reconhecer a verdade.
Coisas
singelas mas difíceis, como sempre é o transitar do óbvio para o simples.