Um paradoxo chamado Brasil
Cenário para a virada do século
São Paulo. 1.997
Marco Aurélio Fernandez Velloso

1. Introduzindo

Vou falar-lhes do Brasil de hoje e de amanhã, no contexto desse mundo da virada do século.

Procurarei tecer um quadro realista da sociedade brasileira neste instante — fins de 1994 —, buscando sublinhar alguns aspectos relevantes para os efeitos de uma reflexão mais abrangente. A partir daí, e em última instância, quero desvendar um pouco do futuro, procurando mostrar o que é razoável esperar do Brasil, do ponto de vista econômico e social, no cenário da entrada no século XXI, de modo a favorecer a reflexão quanto ao ambiente dentro do qual estaremos vivendo.

De certo modo, duas palavras, de modo particularmente preciso, poderiam sintetizar o que espero lhes mostrar a respeito do contexto econômico e social que iremos encontrar nas próximas décadas: crescimento e turbulência.

Crescimento, por que, apesar de tudo, este país continua dispondo de energia e potencial para desenvolver-se: conta com uma demanda reprimida interna capaz de alimentar um crescimento econômico e industrial, dispõe de poupanças que podem, se estimuladas, encaminharem-se na direção de investimentos produtivos, tem capacidade de endividamento para buscar capitais internacionais também indispensáveis ao financiamento de seu esforço de modernização, e conta com uma indústria que, apesar dos vaticínios mais pessimistas, ainda não sucumbiu ao sucateamento, e que está procurando se adequar às novas condições da competição internacional.

Turbulência, por que esse crescimento, como veremos, tem sua maior variável restritiva nos limites que a sociedade brasileira apresenta para se modernizar cultural e institucionalmente, dando guarida à expectativa do nascimento de uma nova cidadania. Este processo de reforma cultural da sociedade não se fará sem conflitos, até porque, nas últimas décadas, por não nos termos modernizado, e por não termos tido a sabedoria de encarar de frente nossos paradoxos, acumulamos um respeitável conjunto de problemas de toda natureza que, agora, tal bumerangue, nos golpeiam.

Mas é da própria entranha desses conflitos que, espero, emergirá uma nova sociedade, capaz de oferecer, a todos nós, um novo espaço para o exercício de uma cidadania qualitativamente diferente, … longa, sofrida e profundamente aspirada por todos os que se comprometeram com a luta pela emancipação de nosso povo.

2. Brasil, um personagem em busca de um projeto

Infelizmente, no limiar do século XXI, o Brasil se apresenta confuso e desorientado, incapaz de afirmar com clareza seu projeto diante de um mundo que, aceleradamente, se integra, globalizando sua economia.

Mal saídos do regime autoritário, permanecemos apegados à saga desenvolvimentista dos anos 60, e padecemos ainda de um misto de xenofobia e ufanismo arrogantes, irrealisticamente otimistas. Lembremo-nos de que, ao fim dos anos 70, o anedotário nacional foi enriquecido pela afirmação de que o Brasil era uma ilha de prosperidade e de paz num planeta turbulento… Enquanto os que nos governavam pensavam assim, o resto do mundo se transformava!

Sem percebermos os ventos de mudança, e, menos ainda, sem reconhecermos corajosamente nossos limites e contradições, não conseguimos formular um projeto nacional consistente para o século XXI.

Por sermos, uns, demasiadamente conservadores e avessos a mudanças, e, outros, excessivamente ressentidos pelo massacre dos nossos mais acalentados sonhos durante os longos vinte anos de ditadura, permanecemos por tempo demais na contemplação de nossas próprias feridas, o que fez com que fôssemos, literalmente, atropelados pelos novos tempos, correndo seriamente o risco de, mais uma vez, perdermos o bonde da História.

Na verdade, no quadro político interno, tanto progressistas quanto conservadores, demonstramos particular incapacidade na ultrapassagem dos limites estreitos da demagogia nacionalista.

Com isso, deixamos de cultivar uma mentalidade internacionalista, aberta, voltada para a ocupação de espaço próprio no cenário internacional. Contemplamos o planeta, no máximo, como turistas, dificilmente, como cidadãos do mundo! Por isso, temos tão pouca acuidade na interpretação do cenário internacional e dos dramas que os homens nele encenam. Somos berço inóspito para estadistas.

Às vésperas do século XXI, portamos o fardo de décadas perdidas, de um boçal e estúpido desperdício de tempo, de energias e de vidas humanas, e continuamos a lutar contra nossos próprios fantasmas: sem projeto que lhes dê sentido, os atos humanos, e a História dos povos, não passam de inconseqüências.

Na falta de projeto, nossa História dessas últimas décadas mais parece um enfileirar de equívocos.

Na verdade, desempenhamos hoje, frente ao panorama da globalização econômica, o pirandelesco papel do personagem em busca de projeto.

3. O desafio da recuperação da competitividade

A convergência, no cenário internacional, do acirramento da competição econômica de um lado, e da intensiva aplicação de novas tecnologias a produtos e processos, de outro, fez evaporar a estratégia sobre a qual se sustentou nossa posição competitiva no plano internacional: oferta de matérias primas semi-elaboradas e de mão-de-obra semi-qualificada, ambas a baixo custo.

Em conseqüência, estamos, hoje, profundamente ameaçados pela perda de nossa competitividade internacional.

Para enfrentarmos o desafio da reconquista de capacidade competitiva, a médio e longo prazos, é necessário que disponhamos de um projeto nacional que viabilize uma profunda mudança cultural de nossa sociedade, universalizando, de fato, o acesso à educação, e preparando o país, e principalmente as novas gerações, para a inserção ativa na economia globalizada e tecnologicamente avançada da nova sociedade do conhecimento.

Se não conseguirmos superar o ‘gap’ que nos separa culturalmente das bases da nova sociedade do conhecimento e da informação que está se ramificando por todo o mundo, reduzir-nos-emos à antiga condição de fornecedores de produtos primários, neo-colônia num planeta tecnologicamente avançado, estreitando com isso, enormemente, nossos horizontes.

4. Arcaísmo e estereotipia cultural

O maior obstáculo para a recuperação da nossa competitividade está na ruptura de muitos dos nossos estereótipos culturais.

O pacto de dominação, ao modo brasileiro, matriz subjacente à nossa formação social, não sofreu grandes mudanças desde a época colonial: as imagens de Debret já nos mostravam uma sociedade onde uns poucos culturalmente aptos dirigiam uma imensa massa de trabalhadores com baixa qualificação.

Na verdade, a face de ‘cordialidade’ brasileira tão genialmente descrita por Holanda (1994), com muita freqüência, é só ríctus sorridente de uma cruel opressão.

Dessa forma, sobrevive, ainda hoje, a mesma mentalidade do colono que vinha para cá ‘fazer a América’: apesar da industrialização, permanece ainda entranhado em nossa cultura um ranço escravista. Veja-se o salário mínimo, a condição de miserabilidade de legiões de brasileiros, o modo paternalista e autoritário pelo qual, no mais das vezes, tratamos quem é subalterno …

Para manter essa opressão, investimos muito pouco no desenvolvimento social e cultural do país.

E por isso mesmo, apesar de contarmos com um dos maiores mercados internos potencialmente desenvolvíveis do planeta, e com recursos naturais abundantes, os limites com os quais nos confrontamos para o indispensável salto de qualidade competitiva se situam hoje, muito mais, nas restrições existentes para a efetiva democratização de nossa sociedade, o que implica na melhoria da qualidade de vida da população, e na abertura de canais de maior mobilidade social, através da criação de condições de maior eqüidade na oferta de oportunidades.

Observa Ribeiro (1993):

"Os países do primeiro mundo, de um modo geral, já equacionaram seus problemas educacionais, segundo trajetórias históricas e políticas na direção de uma sociedade mais justa e equânime, de meados do século passado até metade deste século. É interessante lembrar que, nos séculos passados, a educação formal dos cidadãos fazia-se necessária devido às guerras: a instrução da população era requisito essencial para ter um exército competente.

Nos países subdesenvolvidos, no entanto, fatores políticos e modelos de desenvolvimento, que ainda predominam, não levaram ao equacionamento correto de seus sistemas educacionais.

O Brasil, por exemplo, tem garantido até agora sua participação na economia mundial pela abundância de matérias primas e pela adoção de um modelo de sociedade na qual uns poucos instruídos, de um lado, e uma massa de trabalhadores semi-alfabetizados com baixos salários, como reserva de mercado, de outro, permitia prescindir de uma educação formal universalizada.

Esse formato de sociedade esgota-se a cada momento. Há fortes indícios empíricos que mostram que nenhum país, cuja população tenha uma sólida instrução básica, esteja com uma economia em declínio a médio prazo, como também seu corolário: nenhum país, sem educação básica competente, tem sua economia em ascensão. A própria crise do modelo comunista pragmático do Leste Europeu pode ser interpretada como conseqüência do isolacionismo desse modelo em comparação com a competição existente entre países ocidentais e certos países asiáticos. Nesse ponto, o Brasil aproxima-se muito mais dos modelos do Leste Europeu, do que dos países ditos ocidentais, pelo isolamento que nosso modelo de desenvolvimento está produzindo. A diferença entre aqueles países e o Brasil está exatamente na instrução da população."

Sob o ponto de vista da criação de mecanismos que favoreçam maior mobilidade social, o Brasil é impressionante pelo seu caráter de anti-modelo.

Se tivéssemos despendido, em direção contrária, ao menos uma parcela do esforço que fizemos para marchar em sentido inverso ao da História, poderíamos ter avançado rapidamente e adquirido melhor posicionamento concorrencial relativo no cenário internacional.

É assim, por exemplo, que nos constituímos em exceção aberrante no que se refere à redução de nossa taxa de crescimento demográfico: somos únicos entre os países emergentes por termos reduzido a taxa de fertilidade sem realizarmos um efetivo esforço de redistribuição de renda.

Este fato, por si só, oculta uma inacreditável violência silenciosa, bem à moda brasileira, equivalente a um brutal genocídio, decorrente da cumplicidade generalizada na adoção da prática da esterilização indiscriminada em nossa sociedade: 44,5% das mulheres em idade fértil que, em nosso país, se valem de recursos anticoncepcionais, foram cirurgicamente esterilizadas, quando a taxa maior, nos países desenvolvidos, não alcança os 15%!

A recuperação da nossa competitividade, portanto, passa, necessariamente, pela superação do desafio da efetiva democratização da sociedade e do avanço na criação de uma nova consciência de cidadania.

 

5. Pontos fortes e pontos fracos

Apesar deste quadro preocupante, no entanto, não se pode dizer que nos encontramos em condições desesperadoras. São muitos os fatores que poderiam sustentar os argumentos dos otimistas, assim como há outros que justificariam os vaticínios mais tenebrosos. Genericamente, e sem pretender com isso esgotar o assunto, poder-se-ia alinhar alguns dos principais pontos fortes e fracos do quadro brasileiro, tendo em vista a perspectiva de melhorar nossa posição concorrencial relativa no âmbito internacional.

Dentre os fatores positivos, destaco três como principais:

Disponibilidade de recursos naturais:

Primeiro e mais óbvio fator, decorrente das condições continentais do país, e que dá sustentação realística às aspirações de crescimento. No mínimo, essa disponibilidade de recursos viabilizaria o país, ainda que a escolha recaísse na adoção de uma estratégia covarde que o coloque privilegiadamente como grande fornecedor de produtos agrícolas e de matérias primas para o mercado internacional.

Parque industrial consolidado e diversificado:

Embora, sob muitos aspectos, o avanço tecnológico ocorrido no primeiro mundo tenha tornado obsoletos muitos dos processos produtivos e de gestão adotados entre nós, reduzindo drasticamente nossa competitividade internacional — principalmente por não termos desenvolvido nenhuma política de monta visando o estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias —, nosso parque industrial se constitui ainda num elemento vantajoso para a nossa posição concorrencial relativa. O surpreendente esforço que o ambiente industrial vem fazendo no sentido de adaptação às normas internacionais de qualidade, por exemplo, mostra que uma saudável mentalidade industrial se implantou no país, permanecendo com vitalidade para responder aos obstáculos que nos ameaçam.

Porte populacional e estabilização da taxa de crescimento:

Com uma população que tende a se estabilizar nos meados do próximo século em torno dos 200 milhões de habitantes, o país poderá contar com recursos humanos em quantidade suficiente não só para sustentar um mercado interno de porte significativo, como, também, para conseguir massa crítica na geração de mão de obra produtiva em níveis competitivos com os dos maiores blocos econômicos. Isso será possível, evidentemente, se forem adotadas medidas visando uma melhor distribuição da renda e melhoria da qualidade de vida da população, através de efetiva universalização do acesso a recursos educacionais de qualidade e radical mudança nas condições de atendimento às necessidades básicas e à saúde da população.

Dentre os pontos fracos, destaco outros três:

Instabilidade institucional e corporativismo:

Apesar da grande aspiração existente na sociedade, estamos ainda muito longe do equacionamento mínimo das grandes questões institucionais do país. Poder-se-ia dizer, até, que a maior contradição, hoje, das instituições brasileiras, está na confrontação entre a sociedade civil e as corporações de todo tipo, públicas e privadas, que foram se estruturando em torno do autoritarismo, do nepotismo e do corporativismo que vêm dominando nossa história política. O espetáculo do impasse na revisão constitucional, por exemplo, é, em grande parte, resultado desse processo. O país necessita não só de uma reforma do Estado, mas, e principalmente, de uma reforma da própria sociedade, para que dela emerja uma nova cidadania capaz de sustentar um novo arcabouço institucional.

Instabilidade da economia:

Com uma inflação crônica que tem atingido taxas das mais altas no mundo, a economia brasileira vem enfrentando um grau de instabilidade que só causou convulsão e desestimulou os investimentos produtivos, cuja maturação só ocorre a médio e longo prazos. Com isso, distorções profundas se instalaram, principalmente em razão da atrofia do sistema produtivo e da hipertrofia do sistema financeiro, criando-se um clima caótico, que freqüentemente se transforma em palco de oportunismos especulativos. Caso se confirmem as expectativas de estabilização inflacionária através da redução do déficit público e do equacionamento da dívida interna, de controle monetário, e de reforma fiscal, pode-se esperar, num horizonte de cinco anos, a retomada de um processo de crescimento sustentado sobre investimentos produtivos. No entanto, este crescimento terá características muito diferentes de outros ciclos por nós vividos, já que, no quadro atual, crescimento econômico é sempre acompanhado de desemprego estrutural.

Dívida social:

Um dos maiores entraves do ponto de vista estratégico para o país se situa no que se convencionou chamar de dívida social. Qualquer programa de retomada do crescimento se defrontará, a curto e médio prazos, com obstáculos monumentais neste campo. O futuro imediato nos reserva, ao menos, três questões bastante espinhosas, cuja solução exigirá, cada uma delas, muita paciência, esforço, decisão política e, acima de tudo, coesão da sociedade:

a) uma legião de jovens e adultos (os meninos de rua de hoje que conseguirem sobreviver) provindos de condições de desamparo e miséria na infância;

b) uma proporção significativa de idosos na população (fato decorrente da reversão na curva de natalidade) que não poderão contar com a disponibilidade de recursos adequados de pecúlio e aposentadoria, em razão de um sistema previdenciário quebrado;

c) e a disseminação na sociedade do crime organizado, com características de ‘poder marginal insurgente’ (Velloso 1987-1988) , instabilizando a vida social, potencializando a violência, e desafiando a capacidade de governabilidade do Estado, principalmente nas grandes cidades.

6. A conspiração insurgente pela cidadania

Apesar de toda a crise das duas últimas décadas, no entanto, há um processo de mudança que está impregnando toda a sociedade. Existe uma força subterrânea, no silencioso e cotidiano desenrolar da trama da vida social, que conspira a favor da cidadania.

Essa dimensão de cotidianidade desse processo de mudança tende a passar despercebida. No entanto, corresponde a uma força poderosa, a uma resposta cheia de vitalidade que os atores sociais dão às ameaças à sua identidade que a cada momento surgem, em razão da emergência da anomia.

Nos recentes eventos que mobilizaram a sociedade brasileira esse fenômeno se evidencia com toda a sua insuspeitada força, surpreendendo até os mais argutos analistas. Por exemplo, o ‘impeachment’ de Fernando Collor, a CPI do Orçamento, os funerais de Ayrton Senna, os recentes eventos relacionados à conquista do tetracampeonato pela seleção brasileira de futebol, a demissão do ministro Ricúpero.

No episódio Collor-PC, na expectativa frustrada de punição aos anões do orçamento, nas reações da opinião pública à liberação da bagagem dos passageiros do vôo do tetra, assim como na fulminante substituição do ministro, vê-se emergir uma aspiração profunda de eqüidade, e o forte desejo de uma nova ética social.

Há um avolumar de indignação que vai, progressivamente, transitando para o plano da cidadania, e que, carregada de ambigüidade, ainda não encontrou, de fato, sua plena expressão política.

Há uma convicção que se generaliza, e que cada vez é mais efetivamente praticada, quanto ao direito à interpelação do outro, em busca da codificação de uma ética que discrimine, com clareza, a limpidez no comportamento social cotidiano, e que se estende ao trato da coisa pública.

Muitos de nós, engolfados pelas escaramuças da luta política, terminamos por esquecer o fato de que os dois candidatos à Presidência da República que polarizaram as recentes eleições têm suas origens claramente vinculadas à esquerda. Isso é, por si só, um fenômeno importantíssimo, inimaginável há bem pouco tempo!

Outro conteúdo que também desponta, e que se evidencia no episódio Ayrton Senna, e, de outra forma, na relação do público com a seleção tetracampeã de futebol, é a profunda aspiração brasileira de ascensão ao primeiro mundo, e de aquisição de respeito no plano internacional.

Senna — apesar de sua imagem elitista, o que fez com que alguém o definisse como líder da parte branca da sociedade —, para muitos, era o exemplo do brasileiro que deu certo, que foi para fora e que conseguiu êxito. Do mesmo modo, grande parte dos jogadores da seleção brasileira de futebol também vivem no exterior, representando, no imaginário social, o papel do homem simples do povo que conseguiu êxito lá fora. Romário é o maior depositário dessa representação.

Na verdade, o agravamento da recessão internacional fez surgir um amplo processo de emigração de cidadãos de países do terceiro mundo em direção aos países do primeiro mundo, em busca de melhores condições de trabalho. É a grande marcha para o norte, representando, ela mesma, uma das conseqüências inevitáveis da globalização da economia e da integração planetária.

Muitos desses emigrantes vivem hoje, nos países em que se instalaram, em situação clandestina, sofrendo dura discriminação, já que os países de primeiro mundo, eles também engolfados pelo desemprego estrutural, impõem medidas protecionistas para resguardar suas próprias legiões de desempregados. Os emigrantes, por isso mesmo, são vistos, ao mesmo tempo, como carga incômoda e como competidores desleais no mercado de trabalho.

Eventos como os da reação americana aos balseiros cubanos, a perseguição de emigrantes turcos na Alemanha, ou, há alguns anos, dos navios de albaneses nos portos da Itália, são exemplos desse novo tipo de discriminação que se instala nos países de primeiro mundo, e que, muitas vezes, resulta em atos de violência e de barbárie.

No Brasil esse fenômeno de emigração também se manifestou. É tão significativa a população de brasileiros vivendo hoje no exterior — a maior parte deles em total clandestinidade —, que uma das únicas mudanças na constituição promulgadas durante o processo revisional foi a que admitiu a dupla nacionalidade aos brasileiros… disposição típica do direito nos países que sofreram grandes processos de emigração, e que rompeu com um conceito xenófobo tradicional em nossa legislação.

Como observa Brzezinski (1993), uma das importantes conseqüências da globalização econômica é a menor tolerância que as pessoas manifestam em relação à desigualdade, em nível planetário. Há como que a criação de uma consciência de cidadania que atravessa fronteiras, e que reivindica condições de eqüidade para todos, em Washington, Londres, Paris, Roma, ou na Somália e Ruanda.

No entanto, se esta é uma regra geral, é também verdadeiro que quem mais se impacienta com a desigualdade é aquele que, na partilha do bolo, fica com o menor pedaço.

Este é um fato fundamental para se interpretar o Brasil neste momento: houve toda uma propaganda desenvolvimentista, que começou a tomar maior vulto, logo no pós-guerra, com a campanha do "O petróleo é nosso" do fim da década de 40.

Este discurso tomou forma mais agressiva, e começou de fato a mudar profundamente a sociedade brasileira, durante o governo de Juscelino Kubistchek.

No período autoritário, e no auge do ‘milagre econômico’, transformou-se na proposta de ‘Brasil Potência’ da geopolítica do Grupo da Sorbonne, na forma consagrada por Golbery do Couto e Silva.

E vem sendo repetido sempre, seja por políticos conservadores ou progressistas.

A verdade é que, em decorrência desse discurso, disseminou-se a crença de que o Brasil pertenceria ao primeiro mundo no ano 2.000…

Ora, o ano 2.000 está chegando, e o Brasil permanece longe de pertencer ao primeiro mundo! Há, na sociedade, uma cobrança, e um desejo de ainda se tentar esse salto. E há, também, um ressentimento, que pede a cabeça de culpados.

Em suma, a sociedade brasileira, nestes anos duros desde o final da década de 70 e durante a de 80, acumulou frustrações.

Reage silenciosamente quando sente que o país perdeu o charme e o ‘fair play’, passando a ser discriminado no plano internacional. Oscilou da atitude petulante e garganta do boicote à dívida externa ao sentimento de humilhação quando viu a imagem do país cada vez mais associada ao tráfico de drogas, à violência urbana, aos meninos de rua abandonados e assassinados… Reage quando vê brasileiros sendo escorraçados dos países de primeiro mundo.

Mesmo quem tem recursos, sente-se mal quando precisa pedir visto no passaporte para visitar outros países, e quando vê que a qualquer um, por ser brasileiro, são feitas exigências para provar que não é, potencialmente, um emigrante clandestino ou um criminoso disfarçado.

Todos esses fatos estão por detrás dessa profunda aspiração de cidadania, que ultrapassa os próprios limites da territorialidade e da nacionalidade.

É como se, nos recônditos do cotidiano, estivesse sendo tramada uma nova inconfidência. Há no ar, uma atitude nova de rebeldia, que impulsiona a sociedade para mudanças.

7. Cidadania, tribalismo, regionalismos, autonomismos e integridade territorial

Todo esse processo, já presente no ambiente atual, se desdobra em muitas direções.

Seguramente, um dos prováveis grandes desafios políticos das próximas décadas, estará representado pelo crescimento dos movimentos regionalistas, autonomistas e separatistas, ameaçando a integridade territorial do país.

Embora ainda não tenham adquirido força política suficiente para se afirmarem como movimentos de expressão nacional, não se pode, porém, deixar de considerá-los.

Naisbitt (1994) examina o que denomina de novo tribalismo como generalizada e importante tendência para o próximo século.

Afirma ele, num de seus paradoxos, que:

‘à medida que a economia global aumenta, as nações componentes protagonistas se tornam progressivamente menores’.

E chama a atenção para os símbolos básicos desse processo, que são a cultura, a língua e a moeda, na medida em que representam as defesas de que os grupos sociais se valem para preservar sua identidade num mundo que cada vez mais se integra economicamente em nível global.

Por isso, observa que os autonomismos regionais já estão se tornando uma das características mais significativas das relações internacionais nos últimos anos, e prevê que este movimento terá importância fundamental no desenho da arquitetura político-institucional das relações internacionais no próximo século, vaticinando que o século XXI verá um mundo de mil países.

A se tomar por válida esta tese, dificilmente o Brasil ficará imune às conseqüências dos regionalismos, dos autonomismos e dos movimentos separatistas.

Novamente aí será necessária muita criatividade política e desenvolvimento de instrumentos institucionais eficientes para permitir uma adequada administração deste processo, para não corrermos o risco de perdermos as vantagens sinérgicas que nossa condição continental oferece.

Na verdade, as aspirações regionalistas, o autonomismo e a reivindicação de uma cidadania mais efetiva, são movimentos que se complementam, e que têm toda a capacidade de interagirem no sentido da emergência de um discurso político agressivo, capaz de mobilizar fortemente a sociedade brasileira.

O questionamento do Estado, a insurgência civil representada pela sonegação de impostos — seja como defesa diante da iniqüidade tirânica com que taxa os pobres e isenta os ricos, seja frente ao desperdício de recursos na administração pública —, assim como a reivindicação generalizada de maior transparência no uso do dinheiro público, podem encontrar no discurso autonomista, muito facilmente, campo fértil para se transformarem num movimento político de força insuspeitada, capaz de modificar completamente o quadro geopolítico brasileiro.

Além disso, o pano de fundo da cultura política nacionalista e xenófoba, tanto da direita quanto da esquerda, poderá interagir neste cadinho, contribuindo para a rápida propagação das idéias autonomistas, principalmente em regiões onde este discurso encontre algum componente cultural e histórico que o favoreça: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Bahia, e em muitas regiões do Nordeste.

Eventualmente, também, os messianismos, como corrente política e popular que tanta influência teve no século passado, poderão encontrar caminhos de reaparecimento, na cauda do crescimento dos fanatismos religiosos carismáticos já presentes em nosso meio, potencializando ainda mais este movimento autonomista.

Por enquanto, essas questões podem ser consideradas como meras especulações… mas é bom ter olhos e ouvidos bem atentos para este fenômeno.

8. Cidadania e relações de trabalho

Em razão de meu interesse específico neste campo, alongar-me-ei um pouco mais no tratamento deste aspecto.

De fato, outro capítulo controvertido neste país é o das relações de trabalho. Ainda vivemos sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho, instrumento legal que teve seus inegáveis méritos na década de 30, mas que é caudatário de uma concepção fascista e corporativista, profundamente intervencionista, do ponto de vista do Estado, nas relações de trabalho.

Caduca como se apresenta, a CLT consegue provocar um dos mais incríveis paradoxos deste país: ao mesmo tempo, gregos e troianos concordam que precisa ser mais do que mudada, que deve ser substituída ou abolida, para, a seguir, também concluírem que é impossível modificá-la por que, ao menos no momento atual, ninguém neste país tem a força política necessária para enfrentar as corporações de toda ordem que, sob sua égide, se constituíram… Sindicatos, Confederações e Centrais Sindicais — tanto patronais quanto de trabalhadores —, Justiça do Trabalho, Ministério e Delegacias Regionais do Trabalho, OAB, etc., etc., etc…

O próprio Ex-ministro Walter Barelli, com o peso de sua credibilidade pessoal frente a trabalhadores e patrões, propugnou fortemente pela adoção do Contrato Coletivo como novo referencial jurídico para as relações de trabalho no país. Esta proposta pressupõe uma redução radical do poder intervencionista do Estado neste campo, uma diminuição significativa do papel da Justiça do Trabalho, e uma quebra do unitarismo sindical, permitindo até a criação de sindicatos por empresa.

De novo, da unanimidade favorável à mais absoluta ausência de qualquer ação consistente no sentido da sua adoção, viu-se emergir as diversas corporações que se sustentam na CLT, utilizando toda a sua força para a manutenção do ‘status quo’.

Na verdade, nosso regime de relações de trabalho termina por criar uma situação deveras perversa: de um lado, pagamos salários dos mais baixos do mundo, enquanto, ao mesmo tempo, temos custos previdenciários dos mais altos do planeta, o que faz com que o custo resultante de nossa mão de obra seja significativamente alto do ponto de vista da formação de preços, reduzindo nosso potencial competitivo no plano internacional.

O que é mais absurdo ainda é que, apesar dos altos custos previdenciários e sociais, o trabalhador brasileiro continua sendo dos mais desprotegidos do mundo, na medida em que o sistema de previdência está falido — o que, por sinal, é um fenômeno mundial — e por isso mesmo não pode lhe oferecer nem recursos de saúde adequados e nem uma aposentadoria digna. Se algo não for feito — e urgentemente —, muito em breve os meninos de rua que nos assediam nas esquinas deste país serão substituídos por uma legião de velhos desamparados, absolutamente dependentes da caridade pública, agonizando à míngua diante de nossos olhos…

É bastante provável que, nos próximos anos, se caminhe no sentido de diminuir a importância da Previdência Social do Estado, abrindo novos espaços para as assim denominadas previdências privadas.

No entanto, falta ainda muito para alcançarmos a estruturação de um modelo de Previdência Privada viável, com força sinérgica para garantir as necessidades de seus segurados. Isso porque um modelo como esse tem que ser necessariamente mutualista, capaz de transparência na sua gestão, sem o que o associado continuará sendo desrespeitado nos seus mais elementares direitos.

A verdade é que a previdência privada, entre nós, está atrelada à voracidade de nosso sistema financeiro, ele próprio desesperado em busca de se adaptar aos novos tempos, e, por isso, não oferece a transparência indispensável para obter credibilidade frente a sua eventual clientela.

O fracasso do processo de desmontagem selvagem da previdência estatal na Argentina contribuiu, neste momento, para uma atitude cautelosa que, de outra parte, e mais uma vez, adia o enfrentamento dessa questão.

De outro lado, o próprio FGTS, surgido para substituir o regime da estabilidade existente até a década de 60, mal administrado e perdulário, foi incapaz de garantir a capacidade aquisitiva do pecúlio acumulado mensalmente. Com isso, todo trabalhador, contribuinte do Fundo de Garantia, terminou por sofrer uma extorsão inominável — tanto mais vil quanto maior o tempo de sua contribuição sem o levantamento de saldo. Muitos têm até recorrido à Justiça do Trabalho, reivindicando a diferença entre o saldo de seu fundo e o valor a que teriam direito se estivessem sendo dispensados pelo regime de estabilidade anteriormente vigente.

Para além desses fatos, há o impacto das novas condições decorrentes não só da globalização da economia, mas, também, da disseminação de novas tecnologias e, sobretudo, da nova mentalidade industrial que tende a rever e simplificar processos tanto produtivos quando de gestão.

Comete-se um erro grosseiro quando se pensa que o desemprego estrutural é causado, principalmente, pela automação e robotização dos processos de produção: a maior causa de desemprego na economia contemporânea se deve à simplificação dos processos de trabalho, em decorrência de projetos de reengenharia.

Como conseqüência do chamado plano Collor, foram extintos no país mais de dois milhões de empregos. De lá para cá, conseguiu-se recuperar muito poucos deles, pois que, embora isso não tenha ainda se tornado tema de debate público, nós também já estamos sofrendo duramente as conseqüências do desconcertante fenômeno do desemprego estrutural, por menor que seja a nossa consciência a respeito desse problema.

Só para citar um exemplo, embora a indústria automobilística tenha crescido cerca de 30% em 1993, o setor de autopeças gerou menos de 1% de empregos novos … Para citar uma frase que ouvi de Walter Barelli, ‘não há, no capitalismo atual, lugar para todas as pessoas que já nasceram sobre a face da terra.’

Ao mesmo tempo, a economia informal vem crescendo, e, na cauda dos processos de terceirização e ‘downsizing’ têm sido também estimuladas novas formas de relações de trabalho, desde o simples ‘pagamento por fora’, passando pela contratação de autônomos, disseminação das práticas de contratação por ‘tarefa’, aumento da contratação de estagiários, contratação de mão de obra locada e temporária, e, também, estímulo à constituição de microempresas e de empresas de prestação de serviços.

Há, também, uma profunda mudança na própria concepção de trabalho. Os vendedores da Kodak, por exemplo, só vão à empresa uma vez por semana: no restante do tempo, comunicam-se via computadores e linhas telefônicas, diretamente de suas casas, transmitindo pedidos e recebendo programações de visitas. E o mesmo está ocorrendo com muitas outras empresas, refletindo um fenômeno significativo já comum nos países de primeiro mundo, onde prédios inteiros, construídos para fins corporativos e comerciais, encontram-se abandonados e sem uso. E isso também está acontecendo entre nós: a antiga sede do Grupo Pão de Açúcar, em São Paulo, permanece sendo oferecida à locação, sem encontrar interessados.

Há, portanto, uma profunda desorganização das relações de trabalho, e é de se prever muita turbulência em razão não só da ‘revogação’ prática que a sociedade está fazendo da CLT, mas, também da própria alteração do lugar que o trabalho ocupa hoje na estruturação das relações sociais.

De outra parte, generaliza-se na sociedade o debate a respeito do salário variável, da participação nos lucros, e até da participação de funcionários no capital das empresas.

Em parte porque o aumento do desemprego não diminuiu o valor do salário dos que permaneceram empregados, principalmente no caso dos profissionais com certo grau de especialização. Pelo contrário, em certos aspectos até aumentou a competição entre empregadores pela contratação daqueles que permaneceram empregados, já que estes estão tendo que absorver qualificações novas, adquirindo maior generalidade e amplitude no desenvolvimento de suas atividades em ambientes de ‘empresas enxutas’.

Daí que, apesar do quadro desfavorável ao emprego, não há, ao menos para os cargos especializados, redução de salários, e as empresas continuam sofrendo pressões tanto internas quanto externas para oferecerem melhores níveis de remuneração.

A própria discussão a respeito do salário mínimo, entre nós, só tem importância do ponto de vista do orçamento da Previdência Social — para efeito de pagamento de pensões — e das relações de trabalho nas regiões de economia mais primitiva. Não conheço, em nenhuma das empresas com as quais trabalho, nenhuma escala salarial cujo patamar inicial seja o salário mínimo.

Traumatizadas, no entanto, pelos efeitos da recessão, e descortinando um horizonte de instabilidade, é natural que as empresas procurem meios de garantir a possibilidade de tornar mais elástico o comportamento de sua folha de pagamento, sem, com isso, correrem o risco de perder pessoal: de um lado, por que o treinamento e qualificação da mão de obra é cada vez mais oneroso, e, de outro, por que, num quadro geral de enxugamento — e paradoxalmente —, há menos pessoal qualificado disponível para eventual substituição dos demitidos.

Daí a busca de formas de remuneração variável, através de sistemas de participação nos resultados e, até, de participação no capital.

Na verdade, o que ocorre de mais profundo nesse país é uma nova consciência quanto às relações do trabalho, o que nos faz prever grandes mudanças neste campo para as próximas décadas… A nova forma de organização não é mais piramidal: estrutura-se como uma rede, adquirindo o caráter de uma multipolaridade interpelativa.

De fato, na medida em que o trabalho institucionalizado, na nova sociedade que se avizinha, cada vez mais, exige do trabalhador preparo, capacidade de iniciativa e de decisão, e competência diferenciada em função de uma qualificação mais generalizada, faz também com que, de outra parte, o empresariado reconheça não só a necessidade de melhor remuneração, mas, e principalmente, predispõe-no a obter a adesão de sua mão-de-obra (melhor seria dizer cabeça-de-obra) através da repartição proporcional de lucros e o reconhecimento pecuniário de méritos.

De outro lado, esse processo é, inexorável e progressivamente, cada vez mais excludente, expulsando do mercado institucionalizado de trabalho, todo dia, um número maior de pessoas.

São dramas humanos terríveis os que se desencadeiam quando a fúria cega das leis econômicas se abate sobre a cabeça das pessoas.

Para onde vão elas, quando presas nesse sorvedouro?

Constituem um enorme exército que, quando têm sorte, é absorvido pelo setor de serviços, mas que, na sua maior parte, alimenta a economia informal, constituída por pequenos empreendedores individuais, — como os marreteiros, por exemplo —, ou que, nos casos mais extremos, termina por aderir às hostes do crime conglomerado. O que é mais dramático é que, muitos, literalmente, morrerão de fome e inanição.

Apesar de, no Brasil, ainda termos espaço econômico para a absorção de uma parte do enorme contingente de desempregados, será necessário, nos próximos anos, introduzir inovações fundamentais na própria concepção que a sociedade brasileira faz do trabalho — assim como já está ocorrendo no resto do mundo —, prolongando o tempo de educação e, com isso, retardando a entrada dos jovens nas relações de produção, acelerando o afastamento dos mais velhos, reduzindo as jornadas de trabalho, obrigando maior absorção de mão de obra no setor de serviços, e, principalmente, encontrando meios de utilizar inteligente e saudavelmente o tempo livre de quem não estiver trabalhando…

São desafios enormes a serem enfrentados e superados.

 

Referências bibliográficas

Brzezinski, Zbigniew K.

(1993) Out of control: global turmoil on the even of twenty-first century. New York, Macmillan, 240p.

Holanda, Sérgio Buarque de

(1994) Raízes do Brasil. 26ª ed. Rio de Janeiro, José Olympio. 158p.

Ribeiro, Sérgio Costa

(1993) A Educação e a inserção do Brasil na modernidade. In Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 84:66-82 fev.

Velloso, Marco Aurélio Fernandez

(1987-1988) Referências para a análise da instituição prisional: visão operativa da intervenção psico-sócio-institucional, In Gradiva — Foro de Debates Psicodinâmicos, Rio de Janeiro. 40:13-14, 1987, 41:7-10, 1988, 42:13-14, 1988.     

Artigo publicado no site do InterPsic: http://www.interpsic.com.br/saladeleitura/texto45.html , São Paulo. 1.997