Mercado e Competitividade
X
Estado e Burocracia:
Prospectando a Relação

Nilton Regis Filomeno

 

Nota de Revisão :

O presente texto foi originalmente escrito em 1994 sofrendo revisão em 1997. Naquela ocasião, foi elaborado a partir de um determinado lugar e finalidade.

O lugar, foi o setor de assessoria de planejamento de um órgão público federal responsável pelo desenvolvimento e apoio a Programas na área de assistência social junto a população carente. Enquanto vinculado a um setor de planejamento, detectava que as transformações em andamento no mundo, colocavam novas exigências aos órgãos públicos e mais especificamente àquele que lidava com questões de assistência social.

A finalidade em elaborar o texto buscava: localizar, no processo histórico recente, as origens das transformações em andamento no mundo; compreender as exigências que elas colocavam (e ainda colocam) sobre a administração pública; desencadear, na organização ao qual eu estava vinculado, uma discussão interna para encontrar respostas adequadas às exigências que eram colocadas àquele órgão. Nesse sentido, o texto tinha a finalidade de desencadear um planejamento estratégico.

Ainda que sua revisão de 1997 tenha sido feita a partir de um novo lugar, ( já que me desvinculei daquele órgão público), o texto preserva o percurso da reflexão que originalmente adotei.

Em relação ao texto original de 1994, acrescentei o item "Sobre a Sociedade Civil e a Função Social do Estado" além de procurar dar melhor elaboração a algumas idéias colocadas anteriormente.

Acredito que o texto tenha contribuições a dar ao leitor.

O percurso dessa reflexão está estruturado pelos seguintes títulos:


I - Senhas e Palavras Chaves da Modernidade

a) Produtividade e Qualidade

b) Tecnologia Avançada

c) Paradigmas e Paradoxos


II - Colocando Ordenadores para a Reflexão

a) A Tecnologia e a Relação Homem - Natureza

b) Regulando as relações nas organizações


III - Um Período Emblemático na História

( Um ciclo sobre o círculo ou sobre a espiral ?)


IV - A Nova Configuração Política Econômica do Mundo

a) Da bipolaridade divergente à multipolaridade convergente

b) Contraponto


V - O outro lado da Moeda :

a) O Estado

b) O Governo


VI - QUESTÕES E DESAFIOS

a) Sobre o Sistema Produtivo e a Cidadania

b) Sobre as Organizações do Aparelho do Estado

c) Sobre a Sociedade Civil e a Função Social do Estado


VII - CONCLUSÃO

I - Senhas e Palavras Chaves da Modernidade

a) Produtividade e Qualidade

Na sociedade atual Produtividade e Qualidade são referências das organizações de produção (de bens ou serviços). Tornaram-se metas a serem perseguidas e que assim se expressam nos sistemas de produção : satisfação do cliente, barateamento do produto, rapidez no atendimento.

Qualidade e Produtividade, enquanto condições que dão às organizações de produção um diferencial no mercado, passaram a se constituir em senhas para o ingresso na modernidade. Mas tal qual mercadoria de consumo fácil, tornaram-se termos de uso corrente e domínio comum, adquirindo como que autonomia, em relação ao processo de produção.

Mas o que se esconde por trás do consumo fácil desses termos é o que nos propomos a explorar.

A produtividade pode ser definida como volume de produção por unidade de trabalho. E se a referência é o mercado, a produtividade é medida pelo quociente entre o valor do faturamento e os custos de produção.

Considerando que a produtividade está relacionada a força de trabalho, podemos fazer um exercício simples para pensar as formas de aumentar a produtividade. Assim, bastaria que numa mesma unidade de tempo , se ampliasse o número de pessoas envolvidas na produção para obter o aumento de produção. Ou então , manter o número de pessoas, ampliando a unidade de tempo de produção (aumento das horas trabalhadas). No 1o. caso, o "inconveniente" é que se estaria aumentando o custo de produção pelo incremento de mão de obra e consequentemente perdendo o preço concorrencial de mercado. No 2o. caso o "inconveniente é que as pessoas têm um limite para o uso de sua força de trabalho, além da qual se esgotam.

Na sociedade atual o aumento da produtividade não se fez , de modo geral, pelo esgotamento físico do homem enquanto força de trabalho , nem pela ampliação da mão de obra , nos meios de produção.

Quanto a qualidade, ela é aquilo que permite ao produto sua melhor adequação ao uso a que se destina. Ela portanto não existe a priori, não é algo absoluto mas um atributo que se pretende que o produto possua. Ela se materializa no produto, a medida em que se incorpora a seu processo de produção as necessidades posta no mercado.

Se a produtividade está relacionada ao montante daquilo que se produz, a qualidade está referida às condições sob as quais ocorre a produção. Portanto, qualidade e produtividade constituem-se em binômio de uma mesma equação.

Nessa equação, os avanços tecnológicos são os catalisadores do processo. Eles possibilitam a qualificação do produto e o incremento da produtividade

b) Tecnologia Avançada

Os avanços tecnológicos traduzem a operacionalização que se dá na produção cientifica de conhecimento. Nas últimas décadas, essa operacionalização tem sido sistematicamente inscrita em nosso cotidiano. No turbilhão de transformações que nos colocam, pouco tempo nos sobra para determo-nos sobre eles.

Quem a não ser os ficcionistas poderiam imaginar, há 20 anos atras, o nosso cotidiano de hoje? As "novidades" ocorrem com tanta frequência que já perdemos a capacidade de nos surpreendermos com elas; e ocorrem com tanta rapidez que perdemos a condição de apreendê-las de forma integrada. Somos carregados pelo ritmo das transformações sendo-nos exigido um grande esforço para explorarmos suas possibilidades e avaliarmos suas conseqüências.

Podemos destacar algumas áreas em que a produção científica vem caracterizando aquilo que já se considera como uma nova Revolução Industrial :

  · Informática :

  A informática tem sua história construída pelo computador, equipamentos que concentram e agilizam um enorme número de informações.

Sem preocupação com o rigor histórico, podemos avaliar no tempo a qualidade das transformações surgidas nos equipamentos de concentração e agilização de informações. Tomando o ábaco, surgido em 500 A.C. como a proto-espécie de equipamentos com essa finalidade, pudemos ver nos últimos 30 anos uma evolução que passou dos dispositivos mecânicos ( máquinas de calcular mecânicas), às válvulas termoiônicas ( dos antigos televisores preto e branco), pelos transistores ( dos pequenos rádios de bolso) aos atuais chips. E hoje, cada vez mais, menores chips armazenam um número maior de informações; e estas são processadas cada vez mais em maior velocidade dentro de um computador.

Concentrar e agilizar informações coletadas a partir daquilo que o homem produziu nas gerações passadas, é colocar a geração atual em condições de produzir mais rapidamente as mudanças.

  · Telemática:

Caminho semelhante ao do computador percorreu o FAX.

Esse equipamento que teve seus princípios de funcionamento descobertos em 1843, precisou aguardar mais de 1 século para poder desenvolver-se. Na década de 60 já existia em funcionamento e de forma restrita, fax de 1a. geração movidos por circuitos mecânicos. A partir de então e devido ao surgimento dos circuitos do computador, bastaram 20 anos para chegarmos ao fax dos dias de hoje. Já se fala numa nova geração desse equipamento onde será dispensada a emissão gráfica da mensagem, passando a transmissão a ser feita de forma sonora ( pela voz).

Espera-se para breve uma combinação do fax, computador e telefone, ligados a uma rede de satélites colocados em torno de nosso planeta, permitirá a qualquer pessoa em qualquer lugar da Terra conversar e acessar dados de um computador situado em outro ponto do hemisfério. São os chamados Assistentes Pessoais Digitais - PDA.

Nesse campo ainda a realidade virtual já se apresenta como uma nova "realidade". Ela permite às pessoas a sensação de viajar, praticar esportes e construir monumentos, sem sair da mesa do computador. Através da realidade virtual são "construídas" peças industriais e projetados prédios e casas, com enorme redução de tempo e materiais.

Entre outras facilidades você poderá passear e selecionar nas gôndolas dos supermercados, os produtos que necessitar. E sem sair de casa poderá comprá-los, recebê-los e pagá-los, só pela tela de um computador caseiro.

  · Novos Materiais :

Possuem como característica a supercondutividade, que é a propriedade que certos metais, ligas e compostos químicos apresentam de, na proximidade da temperatura do Zero Absoluto, perderem a resistência elétrica e a permeabilidade magnética. Conseqüências : ampliação da capacidade de transmissão de informações através de equipamentos mais leves. As fibras ópticas são exemplos desse material , apresentando a espessura de um fio de cabelo. Já existem cabos transoceânicos feitos desse material, conectando os EUA à França através da Inglaterra. Essa conecção, se feita com o tradicional fio de cobre, exigiria uma espessura do cabo de alguns metros em seu diâmetro. Com fibras ópticas, bastam 30cm no diâmetro do cabo para que possam ocorrer simultaneamente 40.000 conversas telefônicas - 5 vezes mais que pelo antigo sistema. Não é difícil imaginar as conseqüências para a economia de países produtores de cobre.

Biotecnologia :

 Os avanços tecnológicos nas pesquisas biológicas também são fatores que alteram a qualidade de vida do homem. O projeto genoma e a clonagem de embriões são exemplos disso. O primeiro mapeando os genes humanos e estudando e pesquisando o tipo de caracter, que determinado gen., determina no homem. O segundo produzindo aquilo que até então era restrito à natureza : a produção de gêmeos idênticos pela intervenção humana.

Se por um lado o domínio desse conhecimento favorece a condição de vida do homem, pelo aumento da produtividade agrícola e em breve na pecuária, por outro, introduz novas questões para o desenvolvimento da civilização humana : A gravidez sairá de moda ou o padrão será de mães artificiais ? Nossos filhos e/ou netos poderão encomendar , num balcão genético, os filhos com as características (Fenótipos) que pretenderão que tenham?

Independentemente das questões morais que se colocam nesse tema não se pode fechar os olhos à essa realidade que a ciência hoje domina.

    · Robótica :

É a ciência e tecnologia da concepção e construção de robôs. Teve seu grande impulso na década de 60. Seus produtos introduzidos nas mais diversas áreas, agilizou e rotinizou a produção colocando à disposição das sociedades uma grande massa de produtos. E ao substituírem os operadores humanos por robôs, colocaram ao homem um tempo maior para atividades que não o trabalho.

Em contra partida, desequilibraram - desfavoravelmente ao trabalhador - a já frágil relação entre postos de trabalho existentes e mão de obra disponível.

 c) Paradigmas e Paradoxos

 As diversas áreas do conhecimento humano, que até então vinham tendo seus ritmos próprios de desenvolvimento, confluíram e se interpotencializaram em um determinado momento do processo evolutivo do homem, caracterizando nossa sociedade atual.

Novos paradigmas precisam ser constantemente recolocados.

No que se refere a adaptação do homem ao mundo, a apreensão das possibilidades postas pela tecnologia, exigem uma pequena revolução na cabeça de cada indivíduo. Implica em ver o mundo com "novos olhos". E, no interjogo que o homem mantém com a natureza, permitem que o atendimento das necessidades humanas sejam melhores satisfeitas e com menores "sacrifícios".

No que se refere à vida em sociedade, a concentração e agilização de informações disponibilizados pela tecnologia, assim como a ocupação de um tempo maior para atividades que não o trabalho e a realidade virtual, mostram as condições sobre as quais as pessoas tenderão a construir suas relações. Abre-se portanto um campo de estudos sobre seus efeitos na conduta humana. E se considerarmos que uma participação consistente do homem enquanto cidadão está sustentada nas informações que ele detém, elabora e atua, o acesso a informações concentradas e agilmente processadas, desloca pólos de poder de decisão.

Mas o paradoxo está em constatar que, ao mesmo tempo em que um mundo moderno é construído, um mundo arcaico é reposto no sentido inverso daquele que se vislumbra com as novas tecnologias. Em ambos os mundos a ficção se transforma em realidade e as antigas utopias ficam deslocadas. Convivem simultaneamente o Cólera com o Clone, a mortalidade infantil com o bebê de proveta, o analfabetismo com a informática, enfim a realidade "nua e crua" com a realidade virtual.

Assim, na medida em que a sociedade se transforma no sentido da modernização, ela também se encaminha na direção do arcaísmo. E a medida que ficam obsoletas as tecnologias ficam obsoletas também a mão de obra que as utilizava enquanto meio de sobrevivência.

Essa encruzilhada em que a sociedade humana está colocada,nos remete, como fio condutor, a um período recente na história de organização dos sistemas políticos, que se apresenta emblemático para as ideologias.

 
II - Colocando Ordenadores para a Reflexão

 a) A Tecnologia e a Relação Homem - Natureza

No interjogo que o homem mantém com a natureza, o trabalho é a força de transformação - do homem e da natureza. Para essa transformação concorre eficazmente a capacidade que o homem apresenta de elaborar projetos, condição que o diferencia de outros animais.

Aquilo que do mundo o homem transforma passa a fazer parte de seu mundo - seu mundo social. Mas o homem é um ser inserido em relações. É um sujeito relacionado. É um ser social, no mundo social que ajuda atransformar. E a medida que transforma o mundo transforma a sí mesmo, suas relações e suas próprias necessidades.

  b) Regulando as relações nas organizações

  A união do homem a seus pares é uma realidade que se dá desde o periodo em que vivia em hordas. No processo civilizatório a horda se transformou em grupo social e as relações adquiriram grande complexidade. Mas nas bases dessas relações está a natureza humana que em Pichon(1 ) assim se expressa : " o homem é um ser de necessidades que só se satisfazem socialmente nas relações que o determinam".

O que move o homem em seu processo evolutivo é sua condição de carência, é seu estado de necessidade. E o que o faz estar inserido em relações é porque somente através delas que suas necessidades podem ser atendidas.

Mas isso não se dá sem conflitos já que a sinergia que a associação com "o outro" possibilita para desfrutar de melhores condições para o enfrentamento das adversidades da natureza ( do mundo), essa associação representa também uma ameaça à medida em que "o outro" também concorre na natureza, para a satisfação de suas necessidades.

Assim, nos relacionamentos em que o homem está inserido se instala, tanto a ameaça que o outro concretamente representa quanto a possibilidade do atendimento das necessidades. Nos grupos humanos estas questões sempre estão presentes ainda que não conscientemente explicitadas.

Para a convivência grupal e em sociedade faz-se portanto necessárias regulações. É a que servem as leis.

As organizações da sociedade atual expressam uma forma de organização da atividade humana voltada à produção daquilo que é necessário ao homem. Para além dos aspectos jurídicos conferidos às organizações legalmente constituídas, no ambiente organizacional terá prevalência a ameaça ou a sinergia (como componentes da associação do homem a um grupo), dependendo da regulação das relações que a organização adota. Nessa regulação as organizações deveriam pautar-se pelos seguintes princípios (2)

1) Organização da Produção : Onde o trabalho humano é organizado de modo a melhor alcançar o resultado desejado ( produção das necessidades do homem)

2) Organização da Distribuição : Onde aquilo que foi produzido tem sua distribuição organizada de modo a atender as necessidades humanas.

3) Organização da Interpelação: Onde os conflitos possam ser explicitados de forma que o modo de produção e de distribuição sejam passíveis de questionamentos, revisão e aprimoramento , sem no entanto desorganizar o sistema produtivo.

Da horda ao grupo social, da sociedade civil ao Estado, do País ao Planetário, os conflitos inerentes à natureza humana se repõem em novas dimensões.

   
III - Um Período Emblemático na História

 (Um ciclo sobre o círculo ou sobre a espiral ?)

 A produção de conhecimento humano e sua operacionalização pela tecnologia, avançou silenciosa e vertiginosamente a partir da década de 60.

Nesse período, os sistemas políticos ideológicos de esquerda e de direita, capitaneadas de um lado pelos EUA e por outro pela URSS, alimentavam a guerra fria e constituíam 2 pólos de influência ideológica entre os demais países do mundo,.

Os avanços tecnológicos ao concretizarem na realidade suas possibilidades, colocaram no horizonte humano a melhoria das condições de vida e levaram os sistemas políticos vigentes a reverem suas práticas.

Na esteira desses avanços, os blocos em confronto orientaram-se para o acesso a essas novas formas de produção e incorporação de tecnologias. As economias socialistas sucumbiram a essas pressões.

Esse contexto marca a história recente das ideologias e tem seu momento marcante na queda do muro de Berlim e na sequência , a dissolução da URSS

As pressões, que os avanços tecnológicos incorporados à economia de mercado, exerciam no mercado econômico mundial, já haviam sido detectadas pelas economias socialistas. Foram pressões que desencadearam medidas para sua assimilação. Na década de 80, dois termos cunhados na Economia da URSS ocuparam rapidamente a atenção no mundo : Perestroika e Glasnot. O 1° , referindo-se à restruturação da economia soviética e o 2° , à transparência das ações governamentais. O impacto dos avanços tecnológicos sobre a economia soviética não passaram despercebidos pelo então Secretário Geral do PCUS, Mikhail Gorbachev(3). Em 1987, atento as mudanças que ocorriam no mundo ele assim se manifestava: "O hiato existente na eficiência da produção, na qualidade dos produtos, no desenvolvimento científico e tecnológico, na geração de tecnologia avançada e seu uso, começou a aumentar..., e não a nosso favor". Gorbachov afirmava a necessidade de desencadear um processo de reestruturação na economia soviética - a Perestroika, ainda que reconhecia explicitamente não saber onde ele poderia levar. O tempo mostrou... Em 1989 cai o muro de Berlim, precedendo a derrocada de toda a União Soviética.

No meio de uma guerra fria, esse processo estimulou os ideólogos de plantão a anunciarem a morte das esquerdas e a elevar a economia de mercado como solução para todos os males que afligiam o mundo.

Ficou aquele período como emblemático para as ideologias pensarem o ingresso na modernidade, já que Gorbachov expressamente afirmava nunca ter abandonado os princípios socialistas : - de cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com seu trabalho". E, dentro desses princípios desencadeava um processo que, mesmo afirmando não saber onde iria dar, buscava o ingresso nos novos tempos.

Do ponto de vista ideológico esse processo promoveu um embate entre a esquerda e a direita, "embaralhando as mãos de direção".

A partir de então, o mundo que se organizava em torno de 2 grandes blocos orientados por afinidades ideológicas distintas, passou a se organizar em diversos pequenos blocos orientados pela afinidade de mercado.

O que se viu foi uma realidade em transformação, que questionava a utilidade dos arcabouços teóricos até então existentes. A realidade dos fatos "atropelou" os projetos do homem. Teorias e projetos, que por não se moldarem mais à nova realidade, impossibilitavam a pré figuração de um futuro, colocando aos homens o desafio de construí-lo num novo processo.

Desloca-se portanto para o campo da distribuição mais equitativa da riqueza produzida pelo homem e sem prejuízo de sua produção, em escala planetária, o desafio para a construção de novos arcabouços teóricos ideológicos. Desafio que, no seu enfrentamento, encaminhe a globalização do mercado para um processo evolutivo de organização humana - de convivência que preserva a espécie, e não para seu retrocesso - o da autodestruição. Desafio que caracterize esse período histórico da civilização humana como sendo um ciclo sobre a espiral e não sobre o círculo.

 
V - A Nova Configuração Política Econômica do Mundo

 a) Da bipolaridade divergente à multipolaridade convergente

Hoje, a constituição de diversos blocos econômicos é um fato, ainda que não se tenha claro se eles se encaminham para a globalização ou se representam um impasse diante dela. De qualquer forma os blocos caracteristicamente constituídos nesse processo são(4):

NAFTA : Acordo de Livre Comércio da América do Norte. É estabelecido entre EUA, Canadá, e México. Envolve um PIB de cerca de US$ 6 765,4 bilhões e uma população de 363 milhões de pessoas.

EFTA : Associação Européia de Livre Comércio. É uma associação entre Áustria, Suíça, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia. O PIB total envolvido é de US$ 889,7 bilhões para uma população de 33,2 milhões de pessoas.

UE : União Européia, com mercado e proposta de moeda única, entre Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Espanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Portugal, Grécia, Irlanda e Luxemburgo. Com PIB de US$ 6 744,8 bilhões e população de 346,4 pessoas.

APEC : Associação de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, que prevê zona de livre comércio com destaque à participação dos EUA, Japão, China, Canadá e México e outros países menores. Totalizam um PIB de US$ 12 098,5 bilhões e 2 066,3 milhões de pessoas.

PACTO ANDINO : Prevendo integração econômica e comercial na América do Sul entre Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela, envolvendo um PIB de US$ 146,7 bilhões e 93 milhões de pessoas.

MERCOSUL : Mercado do Cone Sul, que prevê a livre circulação de bens e serviços entre o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com PIB total de US$ 642,1 bilhões e 191 milhões de pessoas. Mais recentemente discute-se a inclusão do Chile.

Esse movimento por afinidades de mercado, determinadas por aspectos de ordem econômica que por sua vez subjazem aos avanços tecnológicos, têm colocado questões que aqui cabem registrar.

- O fluxo de capital que se dá entre os países em consequência desses novos mercados e dos sistemas informatizados de transferência de capital, tira do governo a capacidade de controle sobre esse fluxo, colocando em discussão o próprio conceito de soberania de uma nação.

- A necessidade de um país se posicionar adequadamente nesse mercado, exige tal esforço competitivo que expõe o drama atual: quanto mais um país se restrutura para atender exigências desse mercado, mais ele é exigido internamente de dar proteção social aos cidadãos excluídos do processo produtivo e menos condições ele tem de atender essa exigência.

Do ponto de vista ideológico, o vendaval que literalmente derrubava muros, ruía também as bases de sustentação do embate ideológico até então fundadas, nos países que se alinhavam em um ou outro pólo. Essa ruptura implodiu os parâmetros do pensamento que a dicotomia tradicional entre direita e esquerda colocavam ao homem. Da limitação de se pensar o mundo dicotomizado e em oposição a uma das partes, passou-se ao desafio de compreendê-lo globalmente a partir das várias partes em que se organizou.

É sobre essa dinâmica existente no mundo hoje, que o homem é desafiado a pensá-lo. Quanto mais o todo se apresenta fragmentado, mais é exigido do homem que busque compreender a integração de suas partes; quanto mais atenção dá a essa compreensão, mais o global se inscreve em seu imaginário; e quanto mais inscrito em seu imaginário, mais o planetário se faz presente em seu cotidiano.

É nesse contexto que o homem deve buscar seu novo posicionamento no mundo.

 b) Contraponto

O movimento avassalador que o mercado imprimiu às economias, decorrente principalmente da incorporação de tecnologia aos processos de produção, destacou a produtividade e a qualidade como senhas para o ingresso na modernidade.

Os avanços tecnológicos, têm possibilitado que a produtividade mundial alcance índices significativamente elevados.

Esse aumento no entanto, ocorre sob condições específicas do mercado concorrencial onde a utilização de mão de obra não subiu proporcionalmente ao aumento da produtividade; ao contrário reduziu-se. Isto é, o aumento da produtividade se fez com redução dos postos de trabalho. É o que caracteriza o desemprego estrutural.

Visto de outra forma : os avanços tecnológicos incorporados à economia de mercado, possibilitou o aumento da produtividade mundial, com redução dos postos de trabalho. O aumento da produtividade com desemprego estrutural restringe o número de pessoas com acesso ao consumo, restringindo em consequência o próprio espaço do mercado. Assim, paradoxalmente, o aumento da produtividade com restrição de mercado, confere a esse aumento um caráter de excesso de produção.

O excesso de produção gera queda de preços mas a restrição do mercado, impede que a produção se realize.

Assim, as empresas produzem muito com poucas pessoas; por terem muita produção reduz os preços dos produtos; por encontrarem um mercado consumidor interno restrito voltam-se a novos mercados - mercados externos- internacionalizando o mercado e globalizando a economia. Se mostraram-se competentes para produzir, devem agora mostrarem-se competentes para escoar a produção.

Mas o mercado mundial precavê-se na defesa de interesses particulares que o compõem. Organizam-se em blocos econômicos que são os instrumentos políticos da globalização. Se no plano político, buscam igualar as taxas de câmbio para equiparar a base de trocas, por outro estabelecem normatizações sobre as condições de produção, para que os produtos tenham acesso à esse mercado. É o caso das normas da ISO ( International Standar Organization ) que ao condicionar o acesso ao mercado a obtenção de um selo de qualidade conferido às organizações de produção, criam uma espécie de vestibular para os países concorrentes a esse mercado.

Esse processo instalado em escala mundial, pressiona a economia de cada país, se reflete sobre seu sistema produtivo e mais especificamente sobre as partes que o compõem : as organizações de produção.


V - O outro lado da Moeda :

a) O Estado

O Estado, enquanto espaço territorial, é o campo do interjogo de forças dos segmentos sociais que nele habitam.

No Estado democrático contemporâneo, as funções atribuídas ao Estado(5)para intervir naquele campo, estão assim colocadas:

  Funções de Strictu Sensu : manutenção da ordem interna, defesa do território, representação externa, provimento de justiça, tributação e administração dos serviços que presta;

 Funções Econômicas : Criação e administração da moeda nacional, regulamentação dos mercados e promoção do desenvolvimento (planejamento, criação de incentivos, produção de bens de infra-estrutura e insumos estratégicos,etc...)

 Funções Sociais : provimento dos bens sociais universais fundamentais ( saúde, educação, habitação, etc...), cobertura dos riscos sociais, proteção dos setores necessitados, etc...

 São com essas funções que o Estado democrático contemporâneo se mune para intervir em seu espaço territorial. E são essas funções que estão sendo colocadas à prova na sociedade moderna em seu processo de globalização.

O desemprego estrutural coloca ao Estado o desafio de resgatar rapidamente um segmento cada vez mais significativo da população, que as relações atuais de mercado se incumbe de excluir velozmente. Assim, à medida em que reduz-se os postos de trabalho , amplia-se ao Estado um "mercado demandante"a exigir sua intervenção. E, desafio que o Estado tem de enfrentar em situação de paradoxo: é que o Estado através de seus organismos é chamado a intervir sobre as consequências daquilo em que eles são carentes - a tecnologia. Isto é, se por um lado os avanços tecnológicos são em grande parte responsáveis pela ampliação da demanda ao Estado, sua estrutura operacional é geralmente a última a contar com eles, criando um handicap desfavorável para o seu enfrentamento.

Dentre outros fatores que colocam à prova as funções do Estado e o próprio conceito de soberania da nação estão, a transferência de capital e o sistema de comunicações. O primeiro fluindo incontrolavelmente entre os "países-bolsas" e ameaçando-os sistematicamente com um novo "1929". O segundo criando uma hegemonia cultural-mundial, incontrolável do ponto de vista das informações que chegam a cada domicílio via satélite. Cabe registrar que o termo incontrolável aplicado em ambos os casos, não pressupõe como ideal o seu inverso : o controle. Ele é utilizado apenas como constatação de um fato. Fato que se coloca como desafio às nações. Mesmo porque, seria possível assumir esses controles sem que se fizesse a opção de colocar o país na idade da pedra da história moderna?

Mas nesse processo global em andamento, ao Estado é colocado o desafio de mediar as consequências que aquele processo acarreta de transformação na sociedade. São desafios para enfrentar o esgarçamento do tecido social, de cujas fendas brotam a violência (como denúncia da deterioração da convivência solidária), os radicalismos religiosos ( como processo regressivo do homem frente a esse mundo novo e incompreensível que se lhe apresenta) e do tráfico de drogas. Este último se apresentando como uma simbiose dos anteriores, com o agravante de se constituir como um poder paralelo ao do Estado.

b) O Governo

 O governo é o instrumento político de administração das funções do Estado. E a governabilidade n’um regime democrático é é resultante do grau de sintonia que as ações governamentais mantém com o atendimento dos interesses da coletividade. Essa sintonia por sua vez, enfrenta desafios à medida em que os interesses da coletividade cada vez mais se diversificam e se expressam em pontos os mais diversos, disseminando o surgimento de conflitos e reduzindo as condições do governo em mediá-los.

Na sociedade atual detecta-se três grandes eixos de organização(6)da sociedade. São eixos em torno dos quais, os interesses da coletividade se manifestam.

Um desses eixos é o dos partidos políticos mediante o qual, o cidadão ao votar, deposita suas expectativas de ver seus interesses atendidos no parlamento.

Ainda que o eixo político partidário permaneça como organizador da sociedade, discussões em torno dele têm sido feitas buscando aumentar sua efetividade. São discussões que envolvem, por exemplo, a implantação do voto distrital, como forma de aproximar o representante político daqueles que o elegeram.

Um segundo eixo que tem um papel significativo na organização da sociedade é o eixo sindical trabalhista. Através dele a sociedade estabelece o embate entre o capital e o trabalho. Visualiza-se cada vez mais um papel importante na organização da sociedade em torno desse eixo. Mas, a medida em que a força do trabalho tende a ser substituída pela força da máquina e a mão de obra pela "cabeça de obra", as organizações sindicais devem rever sua forma de atuação, para congregarem os interesses que surgem diante dessa nova realidade e sedimentarem os caminhos para a modernização dos meios de produção e da distribuição da riqueza produzida.

Assim, da mesma forma que o eixo político partidário encontra dificuldades de ser representativo dos interesses colocados na sociedade, o eixo sindical também sofre enfraquecimento com o desemprego estrutural que lhe retira a força e representatividade na contexto da sociedade como um todo.

Um terceiro e mais recente eixo, surgido em decorrência do processo de urbanização é o comunitário. Os pólos de poder e participação passam a ocupar pequenos espaços : o bairro, as associações, clubes, igrejas, pequenas organizações.

O eixo comunitário em torno do qual o fenômeno da urbanização se desenvolveu, deu a "tonalidade" à estruturação da sociedade atual. A diversidade das formas de organização nesse eixo e a multiplicidade de seus espaços de existência, disseminam em vários pontos da sociedade a convergência de interesses e núcleos de participação. Configuram uma sociedade se estruturando em rede e "desativando" o sistema piramidal de decisões.

É sobre esses eixos de organização da sociedade, que o governo deve se adequar para que suas ações vá de encontro aos interesses da coletividade.

 
VI - QUESTÕES E DESAFIOS

 a) Sobre o Sistema Produtivo e a Cidadania

  As unidades produtivas, sejam aquelas inseridas no espaço do Estado, sejam elas do mercado, são agrupamentos humanos organizados em torno de uma produção específica. A incorporação de tecnologia por essas unidades, como decorrência das transformações que ocorrem no mundo, qualifica não só os processos de produção, como os grupamentos que os constitui.

Nas unidades produtivas inseridas nas relações de Mercado, desenvolveram-se os mais variados sistemas de intervenção - Just Time, TQM, Reengenharia, etc... Esses sistemas qualificaram o modelo de produção dando eficiência à acumulação.

São sistemas que transformam a relação entre a força de trabalho e os meios de produção. Nessa transformação, os sujeitos deixam de ser chamados trabalhadores para serem chamados de colaboradores; as grandes unidades de produção desmembram-se em unidades menores (descentralizam-se) e criam unidades "satélites"(terceirização). São relações que tendem a substituir o vínculo empregatício, pelo autônomo; o empregado pelo proprietário. Refletem enfim, as transformações que ocorrem na sociedade e que configuram a busca de uma nova forma do homem se inserir nas relações de produção.

A eficiência na acumulação é atribuída a esse modelo desenvolvido nas organizações de mercado. No entrechoque de interesses postos na sociedade, o Estado passa a ser pressionado a adotar aquele modelo, como solução para suas unidades produtivas.

Mas se considerarmos as funções diferenciadas que cabem às unidades produtivas localizadas no espaço do Estado, detectamos que a transposição de modelos, não pode ser feita de forma inadvertida.

 No espaço de mercado os princípios aplicados ao seu sistema de produção estão orientados , em última instância, para a acumulação do capital. As unidades produtivas aí instaladas refletem aquela finalidade última ( condição de existência dessas unidades) na forma de organizar a produção , a distribuição e a interpelação.

No espaço do Estado, os princípios aplicados ao seu sistema de produção estão orientados , em última instância, para a transformação - do capital arrecadado em riquezas . As unidades produtivas aí instaladas refletem aquela finalidade e cumprem uma função de distribuição. Os princípios que regem o sistema de produção dessas unidades estão orientados para o atendimento de necessidades postas na coletividade.

Na realidade moderna o espaço de demanda do mercado reduz-se (pelo desemprego estrutural), ainda que paradoxalmente o mercado se globalize. A redução do espaço de mercado corresponde a uma maior eficiência na acumulação. Em contrapartida amplia-se o espaço de demanda do Estado. E essa ampliação corresponde a uma maior deficiência na distribuição.

Conclui-se portanto que o modelo de acumulação utilizado pelas organizações de mercado, não podem ser inadvertidamente transpostos para as organizações do Estado. A advertência que cabe fazer, refere-se ao enfoque que se dá sobre as condições da cidadania, que em última instância estão em jogo nessas organizações.

Se tomarmos como cidadão , o sujeito portador de direitos, sua condição de existência é condicionada às características das relações que ocorrem nos diferentes espaços - o do Mercado e o do Estado.

No espaço de Mercado, são introduzidos treinamentos, prêmios de incentivo, remuneração variável, etc... decorrentes dos mais variáveis sistemas de intervenção ( Just Time, TQM, Reengenharia), que buscam qualificar seus produtos, sistemas e processos, para melhor atender o cliente. Nessas organizações o cidadão é elevado à categoria de "Rei" - O cliente é o Rei. Existem inclusive dispositivos na sociedade que protegem a cidadania (por ex. código de defesa do consumidor) , como as próprias organizações de mercado se esforçam em incentivá-la ( ex. os ombudsman, os telefones de atendimento ao cliente divulgados nos próprios produtos,etc...).

Há de se considerar no entanto, que os sistemas de intervenção e investimento na qualificação de seus quadros, são adotados enquanto a relação custo-benefício favoreça a acumulação. Assim é, pela própria natureza das organizações de mercado. Como custo é o montante de dinheiro investido e benefício o retorno financeiro alcançado, caso essa relação desfavoreça a acumulação, corta-se investimento cortando-se o quadro de pessoal e reduzindo-se as condições de cidadania dessas pessoas. Dessa forma na relação de mercado, tanto interna quanto externamente às organizações, o indivíduo é cidadão na justa medida em que, como consumidor, realimenta as relações de produção e consumo.

Nas unidades produtivas que operacionalizam as funções do Estado o enfoque também deve ser dado no alcance de sua finalidade última, que neste caso é de distribuição, que deve ter sua eficiência perseguida. Elas também devem adotar sistemas de intervenção e de qualificação de seus quadros na relação custo-benefício. Só que neste caso, se o custo é o montante de dinheiro investido ( verba alocada), o benefício é a efetividade da distribuição que a unidade produtiva realiza em acordo com a Política definida pelo governo. Não se pode exigir lucro enquanto retorno financeiro do investimento. Mas deve-se exigir a produção de riqueza que neste caso é outra e não se confunde com a acumulação de capital.

Quanto a cidadania sua condição de existência no espaço do Estado é frustrada se o modelo que se pretende é aquele que se constrói nas relações de mercado. É frustrada por um Estado que, não sendo provedor, não tem como suprir as necessidades básicas de sua população no que se refere ao "consumo" daquilo que o Estado produz. Nessas condições cabe ao Estado, se não garantir a plenitude da cidadania, criar condições concretas para que se encaminhe naquela direção : reformulando-se, para preservar a vida em sociedade e para fazer-se presente nos conflitos, enquanto canal que orienta e organiza o atendimento de necessidades coletivas.

    b) Sobre as Organizações do Aparelho do Estado

  Uma das questões que vem sendo objeto de críticas ao Estado é sua burocracia. Pressiona-se o Estado a adotar em suas unidades de produção o mesmo modelo de administração adotado nos espaços de mercado. A discussão quanto a burocracia do Estado tem um paralelo na própria história de constituição desse sistema de administração. E é nessa história que deve-se buscar os fundamentos para sua revisão.

A história do intenso desenvolvimento da burocracia está localizada no final do século XVIII. Naquele período, a Revolução Industrial estava em sua primeira fase , caracterizada pelo aproveitamento do vapor como força motriz. Seu desenvolvimento se fez em uma Europa pré-capitalista. Isto é, em uma Europa onde o sistema de organização feudal estava transitando para o capitalismo propriamente dito.

O desenvolvimento industrial convivia com sistemas de governos monárquicos e imperiais, onde os interesses dos nascentes grupos industriais não encontravam ressonância com os interesses do Estado.

As burocracias adotadas nas empresas em desenvolvimento, passavam a substituir com mais eficiência a administração "contábil" que, até então, era realizada em nível familiar. A administração passava a ser centralizada em "bureau" ( locais ocupados por homens de negócio ou empregados de uma administração) acompanhada da transferência do poder ( Kratos - cracia). A burocracia assim em desenvolvimento mostrava-se mais eficiente, inclusive do que aquela (de tipo patrimonial) adotada pelo Estado. Enquanto modelo de eficiência administrativa, a burocracia empresarial passava a questionar e a se contrapor ao próprio poder do Estado absolutista.

A modernização do Estado de então, exigia a adoção de uma burocracia nos moldes daquela praticada pelas grandes empresas.

A adoção pelo Estado desse sistema administrativo se fez em toda Europa, incluindo a Rússia.

Mas a adoção desse novo sistema pelo Estado se, por um lado, expressava sua modernização, expressava também a incorporação ao Estado, de interesses dos grupos de poder daquela sociedade.

Max Weber(7) ( 1864-1920) caracterizava o capitalismo pela predominância da burocracia enquanto sistema administrativo e contábil altamente racionais. Para Weber a burocracia estatal racionalizava e aperfeiçoava os mecanismos de atuação sobre o conjunto da sociedade. Em oposição a essa forma de ver esse sistema de administração, cabe citar Lênin ( 1870-1924) que, contemporâneo de Weber, localizava sua crítica a burocracia por considerá-la como instrumento relativamente autônomo em relação à sociedade.

Ainda hoje o pensamento Weberiano se faz presente nas organizações. E se ele merece ser revisto, é necessário considerar as diferentes características da produção que ocorrem nos diferentes espaços de Mercado e de Estado - um com finalidade de acumulação, outro de distribuição. A transposição do modelo de um para outro espaço deve respeitar diferenças. No caso do Estado seu sistema de administração deve expressar a incorporação dos interesses da coletividade.

Assim se no século XVII já se faziam discussões sobre burocracia, Revolução Tecnológica e funções do Estado , no século atual essas questões se repõem igualmente associadas.

 c) Sobre a Sociedade Civil e a Função Social do Estado

Nos últimos anos a relação entre Estado e Sociedade Civil vem sofrendo transformações. No mundo desenvolvido essas transformações se dão devido a crise do Estado do Bem Estar Social (Welfare State), que é um modelo de funcionamento do Estado onde se destaca a proteção social aos cidadãos. Mas, se no mundo desenvolvido o Estado de Bem Estar Social entrou em crise, no Brasil ele nem chegou a ser implantado e enquanto modelo sofre reformulações que promovem hoje as medidas voltadas à reforma do Estado. Localiza-se aí, um ponto de transformação em andamento na relação entre Estado e Sociedade Civil.

A cidadania por sua vez, alçou posição de destaque no Brasil com a Constituição de 1988. A atual Constituição, ao colocar o cidadão como portador de direitos e incentivar o associativismo, caracterizou nas organizações da sociedade civil, um espaço de expressão coletiva da cidadania.

Assim, no Brasil, enquanto o Estado de proteção social se reformula por conta da crise que sofreu no mundo desenvolvido, a expressão coletiva da cidadania se manifesta nas Organizações Não Governamentais.

Nesse processo ganhou maior visibilidade aquelas ONG’s que, sem fins lucrativos, desenvolvem atividades de prestação de serviços ao público. São as chamadas Organizações do 3o. setor.

E, se é sobre essas Organizações do 3o. setor que está o "foco de luz" que lhes dá maior visibilidade, cabe a elas por sua vez, uma ação ativa de se reposicionar frente ao aparelho do Estado e dentro da Sociedade Civil. Mas além de buscar esse reposicionamento, elas devem pautar suas atividades em acordo com as exigências da sociedade moderna.

Reposicionar-se nesse campo é rever seu papel dentro da Sociedade Civil e frente ao aparelho do Estado. Significa também estabelecer novas formas de parceria. E, pautar suas atividades em acordo com as exigências da sociedade moderna, implica adotar um modelo de gestão que qualifique a produção das condições de cidadania.

 
VII - CONCLUSÃO

 O papel do Estado se expressa pelas competências dos três poderes instituídos da União : Executivo, Legislativo e Judiciário. O exercício desse papel é orientado pelas funções do Estado.

No que se refere ao governo, compreendêmo-lo como instrumento Político da administração das funções do Estado. A forma de administrar essas funções em acordo com as necessidades da sociedade, confere o caráter Político do governo. Quanto mais suas ações estiverem afinadas com as necessidades da Sociedade Civil, mais efetivo será. E na sociedade atual quanto mais atento à realidade planetária, mais sintonizadas poderão estar suas ações no atendimento daquelas necessidades.

Para implementar suas ações o governo conta com uma estrutura organizacional. Essa estrutura ao mesmo tempo em que orienta suas ações pelas diretrizes do governo, se constitue como instâncias mediadoras entre aquelas ações e as necessidades da Sociedade.

Há que se discutir portanto não só as diretrizes, mas como os mediadores podem ser eficientes em sua função. Consideramos que essa eficiência é condição da forma como o mediador transforma-se e adequa-se à própria forma como a sociedade está organizada. Não é diferente daquilo que as grandes empresas chamam de "estar próximo de seus clientes".

Como já vimos, um dos eixos de organização da sociedade que adquire dimensão significativa é o eixo comunitário, decorrente principalmente do processo de urbanização dos tempos. A dimensão desse eixo fica mais significativa se considerarmos o fluxo de comunicação , que nos dia de hoje democratiza a informação e coloca, virtualmente, nos pequenos grupos condições para a tomada de decisão. Se a transparência é algo ainda hoje a ser perseguida, evitá-la é algo que demanda muito mais esforço.

É desse processo inclusive que tem se utilizado as grandes corporações empresariais para substituírem sua estrutura hierárquica piramidal - com pontos de decisão concentrados - por estruturas em rede - onde as decisões podem ser cada vez mais, tomadas nos próprios locais e momentos em que elas se fazem necessárias. Se na estrutura piramidal os conflitos ficavam restritos a certas instâncias de poder, na estrutura em rede eles generalizam-se e sua administração escapa das instâncias mais distantemente localizadas. E este é o caminho que a própria sociedade vem seguindo. Os conflitos (enquanto choques de interesses) tende a explicitar-se nos diversos pontos que constituem a rede. São conflitos pela busca de atendimento de necessidades dos grupos sociais. Se por um lado são necessidades diversas partilhadas em pequenos grupos, por outro a solução para elas ultrapassa a capacidade de um governo centralizador atendê-las. E na busca de soluções, o Estado não pode prescindir da participação desses pequenos grupos.

Aceitar a existência de conflitos disseminados em rede e capacitar as estruturas de governo para superá-los adequadamente, é fazer o Estado presente institucionalmente. Para tanto a descentralização entre as esferas de governo ( Federal, Estadual e Municipal) é o caminho já indicado na Constituição de 1988. Por esse caminho, espera-se que os poderes públicos se harmonizem em suas três instâncias de governo e criem melhores condições de participação da sociedade civil.

O cenário que assim se apresenta lança luz sobre velhos atores chamados a desempenhar novos papéis.

 Referências Bibliográficas

 

1) Rivière, Enrique Pichon: in O Processo Grupal, Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1983

2) Velloso, Marco Aurélio F., anotações de aula do curso de Psicologia Institucional

3) Gorbachov, Mikhail : Perestroika - Novas Idéias para o meu País e o Mundo, Editora Best Seller, 4a. edição 1987

4) Jornal Folha de São Paulo, encarte de 23/01/94

5) Andrade, Regis de Castro: Estrutura e Organização do Poder Executivo - vol.2,Centro de Documentação, Informação e Difusão Graciliano Ramos, Brasília, DF - 1993

6) Dawbor, Ladislau - Governabilidade e Descentralização, texto anexado ao documento interno da LBA, referente a seminário interno de 1994.

7) Weber, M.: Burocracia e Liderança Política, in Os Pensadores, Abril Cultural, 1980

Complementação de Bibliografia

 

Dowbor, Ladislau: Poder Local, Coleção Primeiros Passos, Brasiliense 1994

Dowbor, Ladislau : O Espaço do Conhecimento, in A Revolução Tecnológica e os Novos Paradigmas da Sociedade, Oficina de Livros/IPSO 1994

Engels, F: O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, Global Editora,1984.

Hammer, Michael e Champy, James: Reengenharia - Revolucionando a empresa em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência,Editora Campus,1994.

Osborne, David e Gaebler, Ted: Reinventando o Governo, Editora MH Comunicação,1994

Velloso, Marco Aurélio F.: A Anomia na Perspectiva de Século XXI , documento apresentado no Congresso Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Grupo,1994.

Artigo publicado no site do InterPsic: http://www.interpsic.com.br/saladeleitura/texto14.html , São Paulo. 1.997