Nota
de Revisão :
O presente
texto foi originalmente escrito em 1994 sofrendo revisão em 1997. Naquela
ocasião, foi elaborado a partir de um determinado lugar e finalidade.
O lugar,
foi o setor de assessoria de planejamento de um órgão público federal
responsável pelo desenvolvimento e apoio a Programas na área de assistência
social junto a população carente. Enquanto vinculado a um setor de planejamento,
detectava que as transformações em andamento no mundo, colocavam novas
exigências aos órgãos públicos e mais especificamente àquele que lidava
com questões de assistência social.
A finalidade
em elaborar o texto buscava: localizar, no processo histórico recente,
as origens das transformações em andamento no mundo; compreender as
exigências que elas colocavam (e ainda colocam) sobre a administração
pública; desencadear, na organização ao qual eu estava vinculado, uma
discussão interna para encontrar respostas adequadas às exigências que
eram colocadas àquele órgão. Nesse sentido, o texto tinha a finalidade
de desencadear um planejamento estratégico.
Ainda
que sua revisão de 1997 tenha sido feita a partir de um novo lugar,
( já que me desvinculei daquele órgão público), o texto preserva o percurso
da reflexão que originalmente adotei.
Em
relação ao texto original de 1994, acrescentei o item "Sobre a
Sociedade Civil e a Função Social do Estado" além de procurar dar
melhor elaboração a algumas idéias colocadas anteriormente.
Acredito
que o texto tenha contribuições a dar ao leitor.
O percurso
dessa reflexão está estruturado pelos seguintes títulos:
I - Senhas e Palavras Chaves da Modernidade
a)
Produtividade e Qualidade
b) Tecnologia
Avançada
c) Paradigmas
e Paradoxos
II - Colocando Ordenadores para a Reflexão
a)
A Tecnologia e a Relação Homem - Natureza
b)
Regulando as relações nas organizações
III - Um Período Emblemático na História
( Um
ciclo sobre o círculo ou sobre a espiral ?)
IV - A Nova Configuração Política Econômica do Mundo
a)
Da bipolaridade divergente à multipolaridade convergente
b)
Contraponto
V - O outro lado da Moeda :
a)
O Estado
b)
O Governo
VI - QUESTÕES E DESAFIOS
a)
Sobre o Sistema Produtivo e a Cidadania
b) Sobre
as Organizações do Aparelho do Estado
c) Sobre
a Sociedade Civil e a Função Social do Estado
VII - CONCLUSÃO
I -
Senhas e Palavras Chaves da Modernidade
a) Produtividade
e Qualidade
Na
sociedade atual Produtividade e Qualidade são referências das organizações
de produção (de bens ou serviços). Tornaram-se metas a serem perseguidas
e que assim se expressam nos sistemas de produção : satisfação do cliente,
barateamento do produto, rapidez no atendimento.
Qualidade
e Produtividade, enquanto condições que dão às organizações de produção
um diferencial no mercado, passaram a se constituir em senhas para o
ingresso na modernidade. Mas tal qual mercadoria de consumo fácil, tornaram-se
termos de uso corrente e domínio comum, adquirindo como que autonomia,
em relação ao processo de produção.
Mas
o que se esconde por trás do consumo fácil desses termos é o que nos
propomos a explorar.
A produtividade
pode ser definida como volume de produção por unidade de trabalho. E
se a referência é o mercado, a produtividade é medida pelo quociente
entre o valor do faturamento e os custos de produção.
Considerando
que a produtividade está relacionada a força de trabalho, podemos fazer
um exercício simples para pensar as formas de aumentar a produtividade.
Assim, bastaria que numa mesma unidade de tempo , se ampliasse o número
de pessoas envolvidas na produção para obter o aumento de produção.
Ou então , manter o número de pessoas, ampliando a unidade de tempo
de produção (aumento das horas trabalhadas). No 1o. caso, o "inconveniente"
é que se estaria aumentando o custo de produção pelo incremento de mão
de obra e consequentemente perdendo o preço concorrencial de mercado.
No 2o. caso o "inconveniente é que as pessoas têm um limite para
o uso de sua força de trabalho, além da qual se esgotam.
Na
sociedade atual o aumento da produtividade não se fez , de modo geral,
pelo esgotamento físico do homem enquanto força de trabalho , nem pela
ampliação da mão de obra , nos meios de produção.
Quanto
a qualidade, ela é aquilo que permite ao produto sua melhor adequação
ao uso a que se destina. Ela portanto não existe a priori, não é algo
absoluto mas um atributo que se pretende que o produto possua. Ela se
materializa no produto, a medida em que se incorpora a seu processo
de produção as necessidades posta no mercado.
Se
a produtividade está relacionada ao montante daquilo que se produz,
a qualidade está referida às condições sob as quais ocorre a produção.
Portanto, qualidade e produtividade constituem-se em binômio de uma
mesma equação.
Nessa
equação, os avanços tecnológicos são os catalisadores do processo. Eles
possibilitam a qualificação do produto e o incremento da produtividade
b)
Tecnologia Avançada
Os avanços
tecnológicos traduzem a operacionalização que se dá na produção cientifica
de conhecimento. Nas últimas décadas, essa operacionalização tem sido
sistematicamente inscrita em nosso cotidiano. No turbilhão de transformações
que nos colocam, pouco tempo nos sobra para determo-nos sobre eles.
Quem
a não ser os ficcionistas poderiam imaginar, há 20 anos atras, o nosso
cotidiano de hoje? As "novidades" ocorrem com tanta frequência
que já perdemos a capacidade de nos surpreendermos com elas; e ocorrem
com tanta rapidez que perdemos a condição de apreendê-las de forma integrada.
Somos carregados pelo ritmo das transformações sendo-nos exigido um
grande esforço para explorarmos suas possibilidades e avaliarmos suas
conseqüências.
Podemos
destacar algumas áreas em que a produção científica vem caracterizando
aquilo que já se considera como uma nova Revolução Industrial :
· Informática :
A informática tem sua história construída pelo computador, equipamentos
que concentram e agilizam um enorme número de informações.
Sem
preocupação com o rigor histórico, podemos avaliar no tempo a qualidade
das transformações surgidas nos equipamentos de concentração e agilização
de informações. Tomando o ábaco, surgido em 500 A.C. como a proto-espécie
de equipamentos com essa finalidade, pudemos ver nos últimos 30 anos
uma evolução que passou dos dispositivos mecânicos ( máquinas de calcular
mecânicas), às válvulas termoiônicas ( dos antigos televisores preto
e branco), pelos transistores ( dos pequenos rádios de bolso) aos atuais
chips. E hoje, cada vez mais, menores chips armazenam um número maior
de informações; e estas são processadas cada vez mais em maior velocidade
dentro de um computador.
Concentrar
e agilizar informações coletadas a partir daquilo que o homem produziu
nas gerações passadas, é colocar a geração atual em condições de produzir
mais rapidamente as mudanças.
· Telemática:
Caminho
semelhante ao do computador percorreu o FAX.
Esse
equipamento que teve seus princípios de funcionamento descobertos em
1843, precisou aguardar mais de 1 século para poder desenvolver-se.
Na década de 60 já existia em funcionamento e de forma restrita, fax
de 1a. geração movidos por circuitos mecânicos. A partir de então e
devido ao surgimento dos circuitos do computador, bastaram 20 anos para
chegarmos ao fax dos dias de hoje. Já se fala numa nova geração desse
equipamento onde será dispensada a emissão gráfica da mensagem, passando
a transmissão a ser feita de forma sonora ( pela voz).
Espera-se
para breve uma combinação do fax, computador e telefone, ligados a uma
rede de satélites colocados em torno de nosso planeta, permitirá a qualquer
pessoa em qualquer lugar da Terra conversar e acessar dados de um computador
situado em outro ponto do hemisfério. São os chamados Assistentes Pessoais
Digitais - PDA.
Nesse
campo ainda a realidade virtual já se apresenta como uma nova "realidade".
Ela permite às pessoas a sensação de viajar, praticar esportes e construir
monumentos, sem sair da mesa do computador. Através da realidade virtual
são "construídas" peças industriais e projetados prédios e
casas, com enorme redução de tempo e materiais.
Entre
outras facilidades você poderá passear e selecionar nas gôndolas dos
supermercados, os produtos que necessitar. E sem sair de casa poderá
comprá-los, recebê-los e pagá-los, só pela tela de um computador caseiro.
· Novos Materiais :
Possuem
como característica a supercondutividade, que é a propriedade que certos
metais, ligas e compostos químicos apresentam de, na proximidade da
temperatura do Zero Absoluto, perderem a resistência elétrica e a permeabilidade
magnética. Conseqüências : ampliação da capacidade de transmissão de
informações através de equipamentos mais leves. As fibras ópticas são
exemplos desse material , apresentando a espessura de um fio de cabelo.
Já existem cabos transoceânicos feitos desse material, conectando os
EUA à França através da Inglaterra. Essa conecção, se feita com o tradicional
fio de cobre, exigiria uma espessura do cabo de alguns metros em seu
diâmetro. Com fibras ópticas, bastam 30cm no diâmetro do cabo para que
possam ocorrer simultaneamente 40.000 conversas telefônicas - 5 vezes
mais que pelo antigo sistema. Não é difícil imaginar as conseqüências
para a economia de países produtores de cobre.
Biotecnologia
:
Os
avanços tecnológicos nas pesquisas biológicas também são fatores que
alteram a qualidade de vida do homem. O projeto genoma e a clonagem
de embriões são exemplos disso. O primeiro mapeando os genes humanos
e estudando e pesquisando o tipo de caracter, que determinado gen.,
determina no homem. O segundo produzindo aquilo que até então era restrito
à natureza : a produção de gêmeos idênticos pela intervenção humana.
Se por
um lado o domínio desse conhecimento favorece a condição de vida do
homem, pelo aumento da produtividade agrícola e em breve na pecuária,
por outro, introduz novas questões para o desenvolvimento da civilização
humana : A gravidez sairá de moda ou o padrão será de mães artificiais
? Nossos filhos e/ou netos poderão encomendar , num balcão genético,
os filhos com as características (Fenótipos) que pretenderão que tenham?
Independentemente
das questões morais que se colocam nesse tema não se pode fechar os
olhos à essa realidade que a ciência hoje domina.
· Robótica :
É a
ciência e tecnologia da concepção e construção de robôs. Teve seu grande
impulso na década de 60. Seus produtos introduzidos nas mais diversas
áreas, agilizou e rotinizou a produção colocando à disposição das sociedades
uma grande massa de produtos. E ao substituírem os operadores humanos
por robôs, colocaram ao homem um tempo maior para atividades que não
o trabalho.
Em contra
partida, desequilibraram - desfavoravelmente ao trabalhador - a já frágil
relação entre postos de trabalho existentes e mão de obra disponível.
c)
Paradigmas e Paradoxos
As
diversas áreas do conhecimento humano, que até então vinham tendo seus
ritmos próprios de desenvolvimento, confluíram e se interpotencializaram
em um determinado momento do processo evolutivo do homem, caracterizando
nossa sociedade atual.
Novos
paradigmas precisam ser constantemente recolocados.
No
que se refere a adaptação do homem ao mundo, a apreensão das possibilidades
postas pela tecnologia, exigem uma pequena revolução na cabeça de cada
indivíduo. Implica em ver o mundo com "novos olhos". E, no
interjogo que o homem mantém com a natureza, permitem que o atendimento
das necessidades humanas sejam melhores satisfeitas e com menores "sacrifícios".
No
que se refere à vida em sociedade, a concentração e agilização de informações
disponibilizados pela tecnologia, assim como a ocupação de um tempo
maior para atividades que não o trabalho e a realidade virtual, mostram
as condições sobre as quais as pessoas tenderão a construir suas relações.
Abre-se portanto um campo de estudos sobre seus efeitos na conduta humana.
E se considerarmos que uma participação consistente do homem enquanto
cidadão está sustentada nas informações que ele detém, elabora e atua,
o acesso a informações concentradas e agilmente processadas, desloca
pólos de poder de decisão.
Mas
o paradoxo está em constatar que, ao mesmo tempo em que um mundo moderno
é construído, um mundo arcaico é reposto no sentido inverso daquele
que se vislumbra com as novas tecnologias. Em ambos os mundos a ficção
se transforma em realidade e as antigas utopias ficam deslocadas. Convivem
simultaneamente o Cólera com o Clone, a mortalidade infantil com o bebê
de proveta, o analfabetismo com a informática, enfim a realidade "nua
e crua" com a realidade virtual.
Assim,
na medida em que a sociedade se transforma no sentido da modernização,
ela também se encaminha na direção do arcaísmo. E a medida que ficam
obsoletas as tecnologias ficam obsoletas também a mão de obra que as
utilizava enquanto meio de sobrevivência.
Essa
encruzilhada em que a sociedade humana está colocada,nos remete, como
fio condutor, a um período recente na história de organização dos sistemas
políticos, que se apresenta emblemático para as ideologias.
II - Colocando Ordenadores para a Reflexão
a)
A Tecnologia e a Relação Homem - Natureza
No interjogo
que o homem mantém com a natureza, o trabalho é a força de transformação
- do homem e da natureza. Para essa transformação concorre eficazmente
a capacidade que o homem apresenta de elaborar projetos, condição que
o diferencia de outros animais.
Aquilo
que do mundo o homem transforma passa a fazer parte de seu mundo - seu
mundo social. Mas o homem é um ser inserido em relações. É um sujeito
relacionado. É um ser social, no mundo social que ajuda atransformar.
E a medida que transforma o mundo transforma a sí mesmo, suas relações
e suas próprias necessidades.
b) Regulando as relações nas organizações
A união do homem a seus pares é uma realidade que se dá desde
o periodo em que vivia em hordas. No processo civilizatório a horda
se transformou em grupo social e as relações adquiriram grande complexidade.
Mas nas bases dessas relações está a natureza humana que em Pichon(1
) assim se expressa : " o homem é um ser de necessidades que só
se satisfazem socialmente nas relações que o determinam".
O que
move o homem em seu processo evolutivo é sua condição de carência, é
seu estado de necessidade. E o que o faz estar inserido em relações
é porque somente através delas que suas necessidades podem ser atendidas.
Mas
isso não se dá sem conflitos já que a sinergia que a associação com
"o outro" possibilita para desfrutar de melhores condições
para o enfrentamento das adversidades da natureza ( do mundo), essa
associação representa também uma ameaça à medida em que "o outro"
também concorre na natureza, para a satisfação de suas necessidades.
Assim,
nos relacionamentos em que o homem está inserido se instala, tanto a
ameaça que o outro concretamente representa quanto a possibilidade do
atendimento das necessidades. Nos grupos humanos estas questões sempre
estão presentes ainda que não conscientemente explicitadas.
Para
a convivência grupal e em sociedade faz-se portanto necessárias regulações.
É a que servem as leis.
As
organizações da sociedade atual expressam uma forma de organização da
atividade humana voltada à produção daquilo que é necessário ao homem.
Para além dos aspectos jurídicos conferidos às organizações legalmente
constituídas, no ambiente organizacional terá prevalência a ameaça ou
a sinergia (como componentes da associação do homem a um grupo), dependendo
da regulação das relações que a organização adota. Nessa regulação as
organizações deveriam pautar-se pelos seguintes princípios (2)
1)
Organização da Produção : Onde o trabalho humano é organizado de modo
a melhor alcançar o resultado desejado ( produção das necessidades do
homem)
2)
Organização da Distribuição : Onde aquilo que foi produzido tem sua
distribuição organizada de modo a atender as necessidades humanas.
3)
Organização da Interpelação: Onde os conflitos possam ser explicitados
de forma que o modo de produção e de distribuição sejam passíveis de
questionamentos, revisão e aprimoramento , sem no entanto desorganizar
o sistema produtivo.
Da horda
ao grupo social, da sociedade civil ao Estado, do País ao Planetário,
os conflitos inerentes à natureza humana se repõem em novas dimensões.
III - Um Período Emblemático na História
(Um
ciclo sobre o círculo ou sobre a espiral ?)
A
produção de conhecimento humano e sua operacionalização pela tecnologia,
avançou silenciosa e vertiginosamente a partir da década de 60.
Nesse
período, os sistemas políticos ideológicos de esquerda e de direita,
capitaneadas de um lado pelos EUA e por outro pela URSS, alimentavam
a guerra fria e constituíam 2 pólos de influência ideológica entre os
demais países do mundo,.
Os
avanços tecnológicos ao concretizarem na realidade suas possibilidades,
colocaram no horizonte humano a melhoria das condições de vida e levaram
os sistemas políticos vigentes a reverem suas práticas.
Na
esteira desses avanços, os blocos em confronto orientaram-se para o
acesso a essas novas formas de produção e incorporação de tecnologias.
As economias socialistas sucumbiram a essas pressões.
Esse
contexto marca a história recente das ideologias e tem seu momento marcante
na queda do muro de Berlim e na sequência , a dissolução da URSS
As
pressões, que os avanços tecnológicos incorporados à economia de mercado,
exerciam no mercado econômico mundial, já haviam sido detectadas pelas
economias socialistas. Foram pressões que desencadearam medidas para
sua assimilação. Na década de 80, dois termos cunhados na Economia da
URSS ocuparam rapidamente a atenção no mundo : Perestroika e Glasnot.
O 1° , referindo-se à restruturação da economia soviética e o 2° , à
transparência das ações governamentais. O impacto dos avanços tecnológicos
sobre a economia soviética não passaram despercebidos pelo então Secretário
Geral do PCUS, Mikhail Gorbachev(3). Em 1987, atento as mudanças que
ocorriam no mundo ele assim se manifestava: "O hiato existente
na eficiência da produção, na qualidade dos produtos, no desenvolvimento
científico e tecnológico, na geração de tecnologia avançada e seu uso,
começou a aumentar..., e não a nosso favor". Gorbachov afirmava
a necessidade de desencadear um processo de reestruturação na economia
soviética - a Perestroika, ainda que reconhecia explicitamente não saber
onde ele poderia levar. O tempo mostrou... Em 1989 cai o muro de Berlim,
precedendo a derrocada de toda a União Soviética.
No
meio de uma guerra fria, esse processo estimulou os ideólogos de plantão
a anunciarem a morte das esquerdas e a elevar a economia de mercado
como solução para todos os males que afligiam o mundo.
Ficou
aquele período como emblemático para as ideologias pensarem o ingresso
na modernidade, já que Gorbachov expressamente afirmava nunca ter abandonado
os princípios socialistas : - de cada um de acordo com sua capacidade,
a cada um de acordo com seu trabalho". E, dentro desses princípios
desencadeava um processo que, mesmo afirmando não saber onde iria dar,
buscava o ingresso nos novos tempos.
Do
ponto de vista ideológico esse processo promoveu um embate entre a esquerda
e a direita, "embaralhando as mãos de direção".
A partir
de então, o mundo que se organizava em torno de 2 grandes blocos orientados
por afinidades ideológicas distintas, passou a se organizar em diversos
pequenos blocos orientados pela afinidade de mercado.
O que
se viu foi uma realidade em transformação, que questionava a utilidade
dos arcabouços teóricos até então existentes. A realidade dos fatos
"atropelou" os projetos do homem. Teorias e projetos, que
por não se moldarem mais à nova realidade, impossibilitavam a pré figuração
de um futuro, colocando aos homens o desafio de construí-lo num novo
processo.
Desloca-se
portanto para o campo da distribuição mais equitativa da riqueza produzida
pelo homem e sem prejuízo de sua produção, em escala planetária, o desafio
para a construção de novos arcabouços teóricos ideológicos. Desafio
que, no seu enfrentamento, encaminhe a globalização do mercado para
um processo evolutivo de organização humana - de convivência que preserva
a espécie, e não para seu retrocesso - o da autodestruição. Desafio
que caracterize esse período histórico da civilização humana como sendo
um ciclo sobre a espiral e não sobre o círculo.
V - A Nova Configuração Política Econômica do Mundo
a)
Da bipolaridade divergente à multipolaridade convergente
Hoje,
a constituição de diversos blocos econômicos é um fato, ainda que não
se tenha claro se eles se encaminham para a globalização ou se representam
um impasse diante dela. De qualquer forma os blocos caracteristicamente
constituídos nesse processo são(4):
NAFTA
: Acordo de Livre Comércio da América do Norte. É estabelecido entre
EUA, Canadá, e México. Envolve um PIB de cerca de US$ 6 765,4 bilhões
e uma população de 363 milhões de pessoas.
EFTA
: Associação Européia de Livre Comércio. É uma associação entre Áustria,
Suíça, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia. O PIB total envolvido
é de US$ 889,7 bilhões para uma população de 33,2 milhões de pessoas.
UE
: União Européia, com mercado e proposta de moeda única, entre Alemanha,
França, Itália, Reino Unido, Espanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Portugal,
Grécia, Irlanda e Luxemburgo. Com PIB de US$ 6 744,8 bilhões e população
de 346,4 pessoas.
APEC
: Associação de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, que prevê
zona de livre comércio com destaque à participação dos EUA, Japão, China,
Canadá e México e outros países menores. Totalizam um PIB de US$ 12
098,5 bilhões e 2 066,3 milhões de pessoas.
PACTO
ANDINO : Prevendo integração econômica e comercial na América do Sul
entre Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela, envolvendo um PIB de US$
146,7 bilhões e 93 milhões de pessoas.
MERCOSUL
: Mercado do Cone Sul, que prevê a livre circulação de bens e serviços
entre o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com PIB total de US$
642,1 bilhões e 191 milhões de pessoas. Mais recentemente discute-se
a inclusão do Chile.
Esse
movimento por afinidades de mercado, determinadas por aspectos de ordem
econômica que por sua vez subjazem aos avanços tecnológicos, têm colocado
questões que aqui cabem registrar.
- O
fluxo de capital que se dá entre os países em consequência desses novos
mercados e dos sistemas informatizados de transferência de capital,
tira do governo a capacidade de controle sobre esse fluxo, colocando
em discussão o próprio conceito de soberania de uma nação.
- A
necessidade de um país se posicionar adequadamente nesse mercado, exige
tal esforço competitivo que expõe o drama atual: quanto mais um país
se restrutura para atender exigências desse mercado, mais ele é exigido
internamente de dar proteção social aos cidadãos excluídos do processo
produtivo e menos condições ele tem de atender essa exigência.
Do
ponto de vista ideológico, o vendaval que literalmente derrubava muros,
ruía também as bases de sustentação do embate ideológico até então fundadas,
nos países que se alinhavam em um ou outro pólo. Essa ruptura implodiu
os parâmetros do pensamento que a dicotomia tradicional entre direita
e esquerda colocavam ao homem. Da limitação de se pensar o mundo dicotomizado
e em oposição a uma das partes, passou-se ao desafio de compreendê-lo
globalmente a partir das várias partes em que se organizou.
É sobre
essa dinâmica existente no mundo hoje, que o homem é desafiado a pensá-lo.
Quanto mais o todo se apresenta fragmentado, mais é exigido do homem
que busque compreender a integração de suas partes; quanto mais atenção
dá a essa compreensão, mais o global se inscreve em seu imaginário;
e quanto mais inscrito em seu imaginário, mais o planetário se faz presente
em seu cotidiano.
É nesse
contexto que o homem deve buscar seu novo posicionamento no mundo.
b)
Contraponto
O movimento
avassalador que o mercado imprimiu às economias, decorrente principalmente
da incorporação de tecnologia aos processos de produção, destacou a
produtividade e a qualidade como senhas para o ingresso na modernidade.
Os avanços
tecnológicos, têm possibilitado que a produtividade mundial alcance
índices significativamente elevados.
Esse
aumento no entanto, ocorre sob condições específicas do mercado concorrencial
onde a utilização de mão de obra não subiu proporcionalmente ao aumento
da produtividade; ao contrário reduziu-se. Isto é, o aumento da produtividade
se fez com redução dos postos de trabalho. É o que caracteriza o desemprego
estrutural.
Visto
de outra forma : os avanços tecnológicos incorporados à economia de
mercado, possibilitou o aumento da produtividade mundial, com redução
dos postos de trabalho. O aumento da produtividade com desemprego estrutural
restringe o número de pessoas com acesso ao consumo, restringindo em
consequência o próprio espaço do mercado. Assim, paradoxalmente, o aumento
da produtividade com restrição de mercado, confere a esse aumento um
caráter de excesso de produção.
O excesso
de produção gera queda de preços mas a restrição do mercado, impede
que a produção se realize.
Assim,
as empresas produzem muito com poucas pessoas; por terem muita produção
reduz os preços dos produtos; por encontrarem um mercado consumidor
interno restrito voltam-se a novos mercados - mercados externos- internacionalizando
o mercado e globalizando a economia. Se mostraram-se competentes para
produzir, devem agora mostrarem-se competentes para escoar a produção.
Mas
o mercado mundial precavê-se na defesa de interesses particulares que
o compõem. Organizam-se em blocos econômicos que são os instrumentos
políticos da globalização. Se no plano político, buscam igualar as taxas
de câmbio para equiparar a base de trocas, por outro estabelecem normatizações
sobre as condições de produção, para que os produtos tenham acesso à
esse mercado. É o caso das normas da ISO ( International Standar Organization
) que ao condicionar o acesso ao mercado a obtenção de um selo de qualidade
conferido às organizações de produção, criam uma espécie de vestibular
para os países concorrentes a esse mercado.
Esse
processo instalado em escala mundial, pressiona a economia de cada país,
se reflete sobre seu sistema produtivo e mais especificamente sobre
as partes que o compõem : as organizações de produção.
V - O outro lado da Moeda :
a)
O Estado
O Estado,
enquanto espaço territorial, é o campo do interjogo de forças dos segmentos
sociais que nele habitam.
No
Estado democrático contemporâneo, as funções atribuídas ao Estado(5)para
intervir naquele campo, estão assim colocadas:
Funções de Strictu Sensu : manutenção da ordem interna, defesa
do território, representação externa, provimento de justiça, tributação
e administração dos serviços que presta;
Funções
Econômicas : Criação e administração da moeda nacional, regulamentação
dos mercados e promoção do desenvolvimento (planejamento, criação de
incentivos, produção de bens de infra-estrutura e insumos estratégicos,etc...)
Funções
Sociais : provimento dos bens sociais universais fundamentais ( saúde,
educação, habitação, etc...), cobertura dos riscos sociais, proteção
dos setores necessitados, etc...
São
com essas funções que o Estado democrático contemporâneo se mune para
intervir em seu espaço territorial. E são essas funções que estão sendo
colocadas à prova na sociedade moderna em seu processo de globalização.
O desemprego
estrutural coloca ao Estado o desafio de resgatar rapidamente um segmento
cada vez mais significativo da população, que as relações atuais de
mercado se incumbe de excluir velozmente. Assim, à medida em que reduz-se
os postos de trabalho , amplia-se ao Estado um "mercado demandante"a
exigir sua intervenção. E, desafio que o Estado tem de enfrentar em
situação de paradoxo: é que o Estado através de seus organismos é chamado
a intervir sobre as consequências daquilo em que eles são carentes -
a tecnologia. Isto é, se por um lado os avanços tecnológicos são em
grande parte responsáveis pela ampliação da demanda ao Estado, sua estrutura
operacional é geralmente a última a contar com eles, criando um handicap
desfavorável para o seu enfrentamento.
Dentre
outros fatores que colocam à prova as funções do Estado e o próprio
conceito de soberania da nação estão, a transferência de capital e o
sistema de comunicações. O primeiro fluindo incontrolavelmente entre
os "países-bolsas" e ameaçando-os sistematicamente com um
novo "1929". O segundo criando uma hegemonia cultural-mundial,
incontrolável do ponto de vista das informações que chegam a cada domicílio
via satélite. Cabe registrar que o termo incontrolável aplicado em ambos
os casos, não pressupõe como ideal o seu inverso : o controle. Ele é
utilizado apenas como constatação de um fato. Fato que se coloca como
desafio às nações. Mesmo porque, seria possível assumir esses controles
sem que se fizesse a opção de colocar o país na idade da pedra da história
moderna?
Mas
nesse processo global em andamento, ao Estado é colocado o desafio de
mediar as consequências que aquele processo acarreta de transformação
na sociedade. São desafios para enfrentar o esgarçamento do tecido social,
de cujas fendas brotam a violência (como denúncia da deterioração da
convivência solidária), os radicalismos religiosos ( como processo regressivo
do homem frente a esse mundo novo e incompreensível que se lhe apresenta)
e do tráfico de drogas. Este último se apresentando como uma simbiose
dos anteriores, com o agravante de se constituir como um poder paralelo
ao do Estado.
b)
O Governo
O
governo é o instrumento político de administração das funções do Estado.
E a governabilidade num regime democrático é é resultante do grau
de sintonia que as ações governamentais mantém com o atendimento dos
interesses da coletividade. Essa sintonia por sua vez, enfrenta desafios
à medida em que os interesses da coletividade cada vez mais se diversificam
e se expressam em pontos os mais diversos, disseminando o surgimento
de conflitos e reduzindo as condições do governo em mediá-los.
Na sociedade
atual detecta-se três grandes eixos de organização(6)da sociedade. São
eixos em torno dos quais, os interesses da coletividade se manifestam.
Um
desses eixos é o dos partidos políticos mediante o qual, o cidadão ao
votar, deposita suas expectativas de ver seus interesses atendidos no
parlamento.
Ainda
que o eixo político partidário permaneça como organizador da sociedade,
discussões em torno dele têm sido feitas buscando aumentar sua efetividade.
São discussões que envolvem, por exemplo, a implantação do voto distrital,
como forma de aproximar o representante político daqueles que o elegeram.
Um segundo
eixo que tem um papel significativo na organização da sociedade é o
eixo sindical trabalhista. Através dele a sociedade estabelece o embate
entre o capital e o trabalho. Visualiza-se cada vez mais um papel importante
na organização da sociedade em torno desse eixo. Mas, a medida em que
a força do trabalho tende a ser substituída pela força da máquina e
a mão de obra pela "cabeça de obra", as organizações sindicais
devem rever sua forma de atuação, para congregarem os interesses que
surgem diante dessa nova realidade e sedimentarem os caminhos para a
modernização dos meios de produção e da distribuição da riqueza produzida.
Assim,
da mesma forma que o eixo político partidário encontra dificuldades
de ser representativo dos interesses colocados na sociedade, o eixo
sindical também sofre enfraquecimento com o desemprego estrutural que
lhe retira a força e representatividade na contexto da sociedade como
um todo.
Um terceiro
e mais recente eixo, surgido em decorrência do processo de urbanização
é o comunitário. Os pólos de poder e participação passam a ocupar pequenos
espaços : o bairro, as associações, clubes, igrejas, pequenas organizações.
O eixo
comunitário em torno do qual o fenômeno da urbanização se desenvolveu,
deu a "tonalidade" à estruturação da sociedade atual. A diversidade
das formas de organização nesse eixo e a multiplicidade de seus espaços
de existência, disseminam em vários pontos da sociedade a convergência
de interesses e núcleos de participação. Configuram uma sociedade se
estruturando em rede e "desativando" o sistema piramidal de
decisões.
É sobre
esses eixos de organização da sociedade, que o governo deve se adequar
para que suas ações vá de encontro aos interesses da coletividade.
VI - QUESTÕES E DESAFIOS
a)
Sobre o Sistema Produtivo e a Cidadania
As unidades produtivas, sejam aquelas inseridas no espaço do
Estado, sejam elas do mercado, são agrupamentos humanos organizados
em torno de uma produção específica. A incorporação de tecnologia por
essas unidades, como decorrência das transformações que ocorrem no mundo,
qualifica não só os processos de produção, como os grupamentos que os
constitui.
Nas
unidades produtivas inseridas nas relações de Mercado, desenvolveram-se
os mais variados sistemas de intervenção - Just Time, TQM, Reengenharia,
etc... Esses sistemas qualificaram o modelo de produção dando eficiência
à acumulação.
São
sistemas que transformam a relação entre a força de trabalho e os meios
de produção. Nessa transformação, os sujeitos deixam de ser chamados
trabalhadores para serem chamados de colaboradores; as grandes unidades
de produção desmembram-se em unidades menores (descentralizam-se) e
criam unidades "satélites"(terceirização). São relações que
tendem a substituir o vínculo empregatício, pelo autônomo; o empregado
pelo proprietário. Refletem enfim, as transformações que ocorrem na
sociedade e que configuram a busca de uma nova forma do homem se inserir
nas relações de produção.
A eficiência
na acumulação é atribuída a esse modelo desenvolvido nas organizações
de mercado. No entrechoque de interesses postos na sociedade, o Estado
passa a ser pressionado a adotar aquele modelo, como solução para suas
unidades produtivas.
Mas
se considerarmos as funções diferenciadas que cabem às unidades produtivas
localizadas no espaço do Estado, detectamos que a transposição de modelos,
não pode ser feita de forma inadvertida.
No
espaço de mercado os princípios aplicados ao seu sistema de produção
estão orientados , em última instância, para a acumulação do capital.
As unidades produtivas aí instaladas refletem aquela finalidade última
( condição de existência dessas unidades) na forma de organizar a produção
, a distribuição e a interpelação.
No
espaço do Estado, os princípios aplicados ao seu sistema de produção
estão orientados , em última instância, para a transformação - do capital
arrecadado em riquezas . As unidades produtivas aí instaladas refletem
aquela finalidade e cumprem uma função de distribuição. Os princípios
que regem o sistema de produção dessas unidades estão orientados para
o atendimento de necessidades postas na coletividade.
Na
realidade moderna o espaço de demanda do mercado reduz-se (pelo desemprego
estrutural), ainda que paradoxalmente o mercado se globalize. A redução
do espaço de mercado corresponde a uma maior eficiência na acumulação.
Em contrapartida amplia-se o espaço de demanda do Estado. E essa ampliação
corresponde a uma maior deficiência na distribuição.
Conclui-se
portanto que o modelo de acumulação utilizado pelas organizações de
mercado, não podem ser inadvertidamente transpostos para as organizações
do Estado. A advertência que cabe fazer, refere-se ao enfoque que se
dá sobre as condições da cidadania, que em última instância estão em
jogo nessas organizações.
Se
tomarmos como cidadão , o sujeito portador de direitos, sua condição
de existência é condicionada às características das relações que ocorrem
nos diferentes espaços - o do Mercado e o do Estado.
No
espaço de Mercado, são introduzidos treinamentos, prêmios de incentivo,
remuneração variável, etc... decorrentes dos mais variáveis sistemas
de intervenção ( Just Time, TQM, Reengenharia), que buscam qualificar
seus produtos, sistemas e processos, para melhor atender o cliente.
Nessas organizações o cidadão é elevado à categoria de "Rei"
- O cliente é o Rei. Existem inclusive dispositivos na sociedade que
protegem a cidadania (por ex. código de defesa do consumidor) , como
as próprias organizações de mercado se esforçam em incentivá-la ( ex.
os ombudsman, os telefones de atendimento ao cliente divulgados nos
próprios produtos,etc...).
Há
de se considerar no entanto, que os sistemas de intervenção e investimento
na qualificação de seus quadros, são adotados enquanto a relação custo-benefício
favoreça a acumulação. Assim é, pela própria natureza das organizações
de mercado. Como custo é o montante de dinheiro investido e benefício
o retorno financeiro alcançado, caso essa relação desfavoreça a acumulação,
corta-se investimento cortando-se o quadro de pessoal e reduzindo-se
as condições de cidadania dessas pessoas. Dessa forma na relação de
mercado, tanto interna quanto externamente às organizações, o indivíduo
é cidadão na justa medida em que, como consumidor, realimenta as relações
de produção e consumo.
Nas
unidades produtivas que operacionalizam as funções do Estado o enfoque
também deve ser dado no alcance de sua finalidade última, que neste
caso é de distribuição, que deve ter sua eficiência perseguida. Elas
também devem adotar sistemas de intervenção e de qualificação de seus
quadros na relação custo-benefício. Só que neste caso, se o custo é
o montante de dinheiro investido ( verba alocada), o benefício é a efetividade
da distribuição que a unidade produtiva realiza em acordo com a Política
definida pelo governo. Não se pode exigir lucro enquanto retorno financeiro
do investimento. Mas deve-se exigir a produção de riqueza que neste
caso é outra e não se confunde com a acumulação de capital.
Quanto
a cidadania sua condição de existência no espaço do Estado é frustrada
se o modelo que se pretende é aquele que se constrói nas relações de
mercado. É frustrada por um Estado que, não sendo provedor, não tem
como suprir as necessidades básicas de sua população no que se refere
ao "consumo" daquilo que o Estado produz. Nessas condições
cabe ao Estado, se não garantir a plenitude da cidadania, criar condições
concretas para que se encaminhe naquela direção : reformulando-se, para
preservar a vida em sociedade e para fazer-se presente nos conflitos,
enquanto canal que orienta e organiza o atendimento de necessidades
coletivas.
b) Sobre as Organizações do Aparelho do Estado
Uma das questões que vem sendo objeto de críticas ao Estado
é sua burocracia. Pressiona-se o Estado a adotar em suas unidades de
produção o mesmo modelo de administração adotado nos espaços de mercado.
A discussão quanto a burocracia do Estado tem um paralelo na própria
história de constituição desse sistema de administração. E é nessa história
que deve-se buscar os fundamentos para sua revisão.
A história
do intenso desenvolvimento da burocracia está localizada no final do
século XVIII. Naquele período, a Revolução Industrial estava em sua
primeira fase , caracterizada pelo aproveitamento do vapor como força
motriz. Seu desenvolvimento se fez em uma Europa pré-capitalista. Isto
é, em uma Europa onde o sistema de organização feudal estava transitando
para o capitalismo propriamente dito.
O desenvolvimento
industrial convivia com sistemas de governos monárquicos e imperiais,
onde os interesses dos nascentes grupos industriais não encontravam
ressonância com os interesses do Estado.
As
burocracias adotadas nas empresas em desenvolvimento, passavam a substituir
com mais eficiência a administração "contábil" que, até então,
era realizada em nível familiar. A administração passava a ser centralizada
em "bureau" ( locais ocupados por homens de negócio ou empregados
de uma administração) acompanhada da transferência do poder ( Kratos
- cracia). A burocracia assim em desenvolvimento mostrava-se mais eficiente,
inclusive do que aquela (de tipo patrimonial) adotada pelo Estado. Enquanto
modelo de eficiência administrativa, a burocracia empresarial passava
a questionar e a se contrapor ao próprio poder do Estado absolutista.
A modernização
do Estado de então, exigia a adoção de uma burocracia nos moldes daquela
praticada pelas grandes empresas.
A adoção
pelo Estado desse sistema administrativo se fez em toda Europa, incluindo
a Rússia.
Mas
a adoção desse novo sistema pelo Estado se, por um lado, expressava
sua modernização, expressava também a incorporação ao Estado, de interesses
dos grupos de poder daquela sociedade.
Max
Weber(7) ( 1864-1920) caracterizava o capitalismo pela predominância
da burocracia enquanto sistema administrativo e contábil altamente racionais.
Para Weber a burocracia estatal racionalizava e aperfeiçoava os mecanismos
de atuação sobre o conjunto da sociedade. Em oposição a essa forma de
ver esse sistema de administração, cabe citar Lênin ( 1870-1924) que,
contemporâneo de Weber, localizava sua crítica a burocracia por considerá-la
como instrumento relativamente autônomo em relação à sociedade.
Ainda
hoje o pensamento Weberiano se faz presente nas organizações. E se ele
merece ser revisto, é necessário considerar as diferentes características
da produção que ocorrem nos diferentes espaços de Mercado e de Estado
- um com finalidade de acumulação, outro de distribuição. A transposição
do modelo de um para outro espaço deve respeitar diferenças. No caso
do Estado seu sistema de administração deve expressar a incorporação
dos interesses da coletividade.
Assim
se no século XVII já se faziam discussões sobre burocracia, Revolução
Tecnológica e funções do Estado , no século atual essas questões se
repõem igualmente associadas.
c)
Sobre a Sociedade Civil e a Função Social do Estado
Nos
últimos anos a relação entre Estado e Sociedade Civil vem sofrendo transformações.
No mundo desenvolvido essas transformações se dão devido a crise do
Estado do Bem Estar Social (Welfare State), que é um modelo de funcionamento
do Estado onde se destaca a proteção social aos cidadãos. Mas, se no
mundo desenvolvido o Estado de Bem Estar Social entrou em crise, no
Brasil ele nem chegou a ser implantado e enquanto modelo sofre reformulações
que promovem hoje as medidas voltadas à reforma do Estado. Localiza-se
aí, um ponto de transformação em andamento na relação entre Estado e
Sociedade Civil.
A cidadania
por sua vez, alçou posição de destaque no Brasil com a Constituição
de 1988. A atual Constituição, ao colocar o cidadão como portador de
direitos e incentivar o associativismo, caracterizou nas organizações
da sociedade civil, um espaço de expressão coletiva da cidadania.
Assim,
no Brasil, enquanto o Estado de proteção social se reformula por conta
da crise que sofreu no mundo desenvolvido, a expressão coletiva da cidadania
se manifesta nas Organizações Não Governamentais.
Nesse
processo ganhou maior visibilidade aquelas ONGs que, sem fins
lucrativos, desenvolvem atividades de prestação de serviços ao público.
São as chamadas Organizações do 3o. setor.
E,
se é sobre essas Organizações do 3o. setor que está o "foco de
luz" que lhes dá maior visibilidade, cabe a elas por sua vez, uma
ação ativa de se reposicionar frente ao aparelho do Estado e dentro
da Sociedade Civil. Mas além de buscar esse reposicionamento, elas devem
pautar suas atividades em acordo com as exigências da sociedade moderna.
Reposicionar-se
nesse campo é rever seu papel dentro da Sociedade Civil e frente ao
aparelho do Estado. Significa também estabelecer novas formas de parceria.
E, pautar suas atividades em acordo com as exigências da sociedade moderna,
implica adotar um modelo de gestão que qualifique a produção das condições
de cidadania.
VII - CONCLUSÃO
O
papel do Estado se expressa pelas competências dos três poderes instituídos
da União : Executivo, Legislativo e Judiciário. O exercício desse papel
é orientado pelas funções do Estado.
No que
se refere ao governo, compreendêmo-lo como instrumento Político da administração
das funções do Estado. A forma de administrar essas funções em acordo
com as necessidades da sociedade, confere o caráter Político do governo.
Quanto mais suas ações estiverem afinadas com as necessidades da Sociedade
Civil, mais efetivo será. E na sociedade atual quanto mais atento à
realidade planetária, mais sintonizadas poderão estar suas ações no
atendimento daquelas necessidades.
Para
implementar suas ações o governo conta com uma estrutura organizacional.
Essa estrutura ao mesmo tempo em que orienta suas ações pelas diretrizes
do governo, se constitue como instâncias mediadoras entre aquelas ações
e as necessidades da Sociedade.
Há
que se discutir portanto não só as diretrizes, mas como os mediadores
podem ser eficientes em sua função. Consideramos que essa eficiência
é condição da forma como o mediador transforma-se e adequa-se à própria
forma como a sociedade está organizada. Não é diferente daquilo que
as grandes empresas chamam de "estar próximo de seus clientes".
Como
já vimos, um dos eixos de organização da sociedade que adquire dimensão
significativa é o eixo comunitário, decorrente principalmente do processo
de urbanização dos tempos. A dimensão desse eixo fica mais significativa
se considerarmos o fluxo de comunicação , que nos dia de hoje democratiza
a informação e coloca, virtualmente, nos pequenos grupos condições para
a tomada de decisão. Se a transparência é algo ainda hoje a ser perseguida,
evitá-la é algo que demanda muito mais esforço.
É desse
processo inclusive que tem se utilizado as grandes corporações empresariais
para substituírem sua estrutura hierárquica piramidal - com pontos de
decisão concentrados - por estruturas em rede - onde as decisões podem
ser cada vez mais, tomadas nos próprios locais e momentos em que elas
se fazem necessárias. Se na estrutura piramidal os conflitos ficavam
restritos a certas instâncias de poder, na estrutura em rede eles generalizam-se
e sua administração escapa das instâncias mais distantemente localizadas.
E este é o caminho que a própria sociedade vem seguindo. Os conflitos
(enquanto choques de interesses) tende a explicitar-se nos diversos
pontos que constituem a rede. São conflitos pela busca de atendimento
de necessidades dos grupos sociais. Se por um lado são necessidades
diversas partilhadas em pequenos grupos, por outro a solução para elas
ultrapassa a capacidade de um governo centralizador atendê-las. E na
busca de soluções, o Estado não pode prescindir da participação desses
pequenos grupos.
Aceitar
a existência de conflitos disseminados em rede e capacitar as estruturas
de governo para superá-los adequadamente, é fazer o Estado presente
institucionalmente. Para tanto a descentralização entre as esferas de
governo ( Federal, Estadual e Municipal) é o caminho já indicado na
Constituição de 1988. Por esse caminho, espera-se que os poderes públicos
se harmonizem em suas três instâncias de governo e criem melhores condições
de participação da sociedade civil.
O cenário
que assim se apresenta lança luz sobre velhos atores chamados a desempenhar
novos papéis.
Referências
Bibliográficas
1)
Rivière, Enrique Pichon: in O Processo Grupal, Livraria Martins
Fontes Editora Ltda. 1983
2)
Velloso, Marco Aurélio F., anotações de aula do curso de Psicologia
Institucional
3)
Gorbachov, Mikhail : Perestroika - Novas Idéias para o meu País
e o Mundo, Editora Best Seller, 4a. edição 1987
4)
Jornal Folha de São Paulo, encarte de 23/01/94
5)
Andrade, Regis de Castro: Estrutura e Organização do Poder Executivo
- vol.2,Centro de Documentação, Informação e Difusão Graciliano
Ramos, Brasília, DF - 1993
6)
Dawbor, Ladislau - Governabilidade e Descentralização, texto anexado
ao documento interno da LBA, referente a seminário interno de 1994.
7)
Weber, M.: Burocracia e Liderança Política, in Os Pensadores, Abril
Cultural, 1980
Complementação
de Bibliografia
Dowbor,
Ladislau: Poder Local, Coleção Primeiros Passos, Brasiliense 1994
Dowbor,
Ladislau : O Espaço do Conhecimento, in A Revolução Tecnológica
e os Novos Paradigmas da Sociedade, Oficina de Livros/IPSO 1994
Engels,
F: O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, Global
Editora,1984.
Hammer,
Michael e Champy, James: Reengenharia - Revolucionando a empresa
em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da
gerência,Editora Campus,1994.
Osborne,
David e Gaebler, Ted: Reinventando o Governo, Editora MH Comunicação,1994
Velloso,
Marco Aurélio F.: A Anomia na Perspectiva de Século XXI , documento
apresentado no Congresso Brasileiro de Psicoterapia Analítica de
Grupo,1994.