Neste
ano de 1998 vai se consolidando as feições daquilo que vem sendo gestado
há 9 anos no mundo. Em 1989 caia o muro de Berlim, marco da derrocada
dos países socialistas e início da gestação de um novo modelo de sociedade
: uma sociedade humana globalizada, estruturada sobre um sistema hegemônico
de mercado. E tal qual um recém nascido, suas feições nem sempre são
das mais bonitas.
Nesse
período de gestação, o termo globalização se constituiu e passou ao
domínio comum. Enquanto abolição do espaço através do tempo, a globalização
se consolidou sustentada nos avanços tecnológicos e em uma economia
onde o sistema de mercado se fez hegemônico no mundo. Se no plano econômico
esse sistema dá as diretrizes de modernização das sociedades, no plano
social mostra sua face perversa.
A ocorrência
desses fatores em escala planetária colocam em tempo real desafios à
sociedade humana, exigindo uma redefinição na sua forma de organização;
uma redefinição nas relações entre Estado e Sociedade.
Na sociedade
brasileira, as transformações da realidade planetária, tem levado o
Estado a rever suas funções - as funções de Estado. E no âmbito da Sociedade,
aquelas transformações levam as organizações - seus instrumentos de
produção de bens e serviços - a buscarem um novo modelo de gestão para
enfrentar os desafios de sobrevivência que o contexto planetário coloca.
AS
TRANSFORMAÇÕES DA REALIDADE E O ESTADO
No âmbito
do Estado Brasileiro a redefinição da relação com a sociedade é sinalizada
pelo modelo de Estado em implantação. Esse modelo recebe a denominação
de Social Liberal tendo como característica básica a crença no mercado
tanto para viabilizar direitos individuais como para fornecer um sistema
de gestão para que o Estado possa assegurar os direitos sociais. As
reformas - processo de transição para o Estado Social Liberal - são
portanto, orientadas para o mercado.
No plano
econômico, o papel do Estado passa a ser o de buscar colocar a economia
nacional, internacionalmente competitiva. No plano social , é continuar
responsável pela proteção dos direitos sociais dos cidadãos mas deixando
de exercer diretamente as funções de saúde, educação, cultura e pesquisa,
contratando para esse fim, organizações públicas não estatais.
Ao encaminhar
a implantação desse modelo, o governo sinaliza para as exigências que
as organizações de produção da sociedade civil deverão atender. É dentro
desse quadro de realidade brasileiro, que as organizações são levadas
a reverem seu sistema de gestão.
O
CAMPO DE AÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES
As
organizações, enquanto instrumentos de produção de bens e serviços necessários
aos cidadãos, estão agrupadas em tres setores na sociedade brasileira.
Cada setor apresenta uma natureza própria, conforme mostra o quadro
abaixo:
CAMPO
DAS ORGANIZAÇÕES
ESTADO MERCADO
ONG¹s
O 1º
setor é constituído por organizações do Estado, cuja natureza é a transferência,
isto é, o Estado arrecada impostos da sociedade e transforma-os em bens
e serviços para prover os cidadãos, por dever do Estado.
O 2º
setor é constituído por organizações da iniciativa privada com fins
lucrativos. Sua natureza é a da acumulação (lucro) e o acesso pelos
cidadãos, dos bens e serviços produzidos é pelo sistema de troca, que
caracteriza as relações de mercado.
O 3º
setor é constituído por organizações sem finalidade lucrativa. São de
iniciativa privada de cidadãos da sociedade civil. Sua natureza é a
da solidariedade, caracterizada na responsabilidade conjuntamente assumida,
na preservação de direitos ou concessão voluntária de bens e serviços.
As condições
de sobrevivência de uma organização não está restrita ao aspecto econômico-financeiro.
Está condicionada também ao atendimento de uma necessidade social.
Assim,
para qualquer dos 3 setores de produção, a exigência de recursos financeiros
é a condição (não única) de sobrevivência da organização. Dessa exigência
surge o seguinte desafio : conseguir recursos para a sobrevivência.
E superar esse desafio é responder as perguntas : onde e como ter acesso
ao recurso?
No
plano social, a exigência de produzir algo que atenda necessidades sociais
é outra condição de sobrevivência da organização. Dessa exigência surge
o seguinte desafio :suprir com sua produção necessidades sociais. E
superar esse desafio é responder as perguntas : que necessidades sociais
suprir e como prover os cidadãos nessa necessidade .
São
esses desafios que a sociedade atual coloca às suas organizações
O MODELO
DE GESTÃO DAS ORGANIZAÇÕES , POR SETOR
No 1º
setor a exigência de recursos financeiros como condição de sobrevivência
foi enfrentada com um novo modelo de Estado. Nesse modelo o Estado busca
, na área de direitos sociais, transformar seus órgãos de Estado em
organizações públicas não estatais; substituir o sistema burocrático
por gerencial e incluir na administração, a sociedade civil, bem como
"fórmulas" que se mostraram eficientes no modelo de gestão das organizações
de mercado.
No 2º
setor , a exigência de recursos financeiros como condição de sobrevivência
da entidade está colocada no cliente - entendendo-se por cliente, aquele
que paga pelos serviços que recebe.Para ter acesso a esse recurso buscou
atrair mais e melhor , novos clientes. Para tanto introduziu novas tecnologias
para produzir mais e reduzir preços para o consumidor final. Para a
redução do preço reduziu também os custos de produção, principalmente
pela redução de seu quadro de pessoal. A introdução de tecnologia que,
do ponto de vista econômico da modernização, substituiu com vantagens
a mão de obra do trabalhador, exige agora novas habilidades humanas
no processo de produção instalado. E todas essas transformações tiveram
por orientação o atendimento das necessidades de quem lhe dá condições
de sobrevivência - o cliente.
É desse
processo que hoje resulta um perfil do trabalhador que pode ser assim
sumarizado:
- Habilidade
para trabalhar em equipe
- Capacidade para executar várias tarefas ao mesmo tempo
- Flexibilidade para mudar de cargo
- Formação cultural ampla
- Domínio de idiomas e informática
- Capacidade de empreendimento e de busca de oportunidades
- Formação Cultural Ampla
Ressalte-se
que do ponto de vista econômico, que é o da acumulação do capital, o
modelo de gestão do 2º setor, respondeu competentemente às exigências
da sociedade atual, isto é, encontrou um modelo que lhe desse condições
de sobrevivência numa sociedade exigida por transformações que ocorrem
no mundo. Só que essa condição de sobrevivência econômica deixou, no
plano social, "sequelas" na sociedade. Algumas empresas desse setor
buscam, inclusive com sucesso econômico, desenvolver uma filantropia
empresarial como forma de minimizar as "sequelas" deixadas no plano
social. Desenvolvem trabalhos de solidariedade na comunidade, que não
só contribuem para criar uma boa imagem da empresa na sociedade como
aumentam a auto estima de seus trabalhadores.
O MODELO
DE GESTÃO DE 3º SETOR : ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O 3º
setor é constituído por organizações não governamentais sem fins lucrativos.
Dentro dele, especialmente as chamadas entidades assistenciais, que
desenvolvem trabalhos sociais com população em processo de exclusão,
precisam ainda construir um modelo de gestão.
Enquanto
o 2º setor tem seu modelo de gestão empresarial construído e consolidado
e o 1º setor tem um modelo construído mas em fase de implantação, o
3º setor precisa construir um modelo próprio de gestão. E para essa
construção, sem perder de vista sua natureza solidária precisa considerar
os processos já enfrentados pelos demais setores.
O modelo
de gestão adotado no 2º setor levou a uma alta produtividade associada
ao baixo preço que o produto ou serviço chega ao consumidor. Teoricamente
essas condições deveriam dar acesso a " todos " os cidadãos. Mas a transformação
do processo de produção, ao tornar obsoletas determinadas habilidades
humanas, tornou obsoleto o próprio trabalhador portador dessa habilidade.
Em consequência excluiu do processo de produção não só as antigas habilidades
como o próprio portador dela - o trabalhador. Além do mais, ao reduzir
os postos de trabalho, restringiu o acesso de novos trabalhadores a
um perfil de alta exigência. É nesse processo que a exclusão social
se repõe e coloca ao Estado e ao 3º setor uma demanda maior.
No âmbito
do 3º setor e dentro dele mais especificamente para as entidades sociais,
o modelo de gestão deverá ser desenvolvido para produzir competentemente
condições de cidadania em acordo com as exigências da sociedade atual
, para uma população em processo de exclusão.
PERSPECTIVAS
PARA AS ENTIDADES SOCIAIS DO 3º SETOR
Para
atender aos desafios que a sociedade atual coloca às entidades sociais
do 3º setor é necessário que elas se coloquem como perspectivas :
Serem empreendedoras e inovadoras nos seus serviços; apresentarem flexibilidade
e agilidade frente as mudanças; estabelecerem parcerias inovadoras para
que possam ampliar sua independência; promoverem a capacitação de seu
público alvo e de seu quadro de pessoal; serem competentes naquilo que
realizam; buscarem formas de geração de renda para sobrevivência no
mercado; terem identidade própria , estabelecerem uma nova relação com
o Estado ao nível de parceria .
No
percurso para essa transição as entidades sociais deverão considerar
a importância de adotarem como procedimentos:
- Planejamento Estratégico
- Fortalecimento em Parcerias Afins, para defesa dos interesses que
representa.
-Vinculação a redes, como canais de..encaminhamento dos Interesses
- Elaboração de projetos para captação de fundos, para o estabelecimento
de parcerias de nova natureza dentro da sociedade civil.
-Qualificação dos serviços, pela capacitação do público atendido,.com
vistas à sua inserção efetiva como cidadão, na área de atuação de competência
da entidade.
- Capacitação de pessoal, em acordo com as necessidades para o "percurso
de Transição".
Enfim,
se a globalização coloca fatores de transformação que tensionam a sociedade
humana entre civilização e barbárie e sendo através das organizações
que a participação concreta das pessoas se faz, é na busca de uma nova
relação entre Estado e Sociedade que poderá haver uma contribuição de
todos na superação daquele dilema.
Referencial teórico:
- José Bleger
- Marco Aurélio Fernandez Velloso
Referências
Bibliográficas :
- Andrade, Regis de Castro: Estrutura e Organização do Poder Executivo-
...vol.2,Centro de Documentação,Informação e Difusão Graciliano Ramos,
...Brasília,DF - 1993
- Bleger,
J. : Psico-Higiene e Psicologia Institucional.Artes Médicas,1989
- Bresser
Pereira,L.: Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil :para uma
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- Dowbor,
L. : O Espaço do Conhecimento, em a Revolução Tecnológica e os
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- Salvatore,
V.L.O. : Terceiro Setor - Panorama Atual, no Material do Curso
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- Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - Brasília, Presidência da
...República, Câmara da Reforma do Estado
- MARE
,1995. "Papers" dos seguintes conferencistas, expositores no Seminário
Internacional
- Sociedade
e Reforma do Estado, de março de 1998
- Castells, Manuel - Hacia el Estado Red?
- Santos, Boaventura de Sousa - A Reinvenção Solidária e Participativa
do
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- Franco,Augusto - A Reforma do Estado e o 3º Setor