As Modas na Administração
de Empresas e
o novo figurino do Gerenciamento do Conhecimento

Roberto Jorge Regensteiner (*)

 

Desde os anos 40, quando Peter Drucker se estabeleceu como estudioso e oráculo do mundo corporativo norte americano, os assuntos relacionados à gestão de empresas vem interessando cada vez mais ao grande público.

Até o fim dos 60, a Administração de Empresas se apresentava como um corpo razoavelmente estável de conhecimentos e técnicas. Os textos de Taylor e Fayol, elaborados em torno dos anos mil e novecentos, continuavam a ser o núcleo fundamental dos estudos da Teoria Geral de Administração. Nos livros textos, a parte superior dos organogramas mostrava uma empresa de tipo industrial onde os responsáveis por Produção, Marketing, Finanças e Recursos Humanos reportavam-se ao executivo principal. Fazendo uma analogia com o mundo da moda, este período poderia ser caracterizado pelo modelo chapéu-paletó-e-gravata.

A partir da crise dos 70, novas teorias e técnicas de gestão sucederam-se em velocidade crescente, comparável de certo modo à sucessão de modas na indústria do vestuário. As razões mais profundas destes fenômenos podem ser encontradas nas grandes mudanças que, desde então, vem ocorrendo na economia e na sociedade e que obrigam as corporações a um esforço crescente para tentar entendê-las e adaptar-se.

O aumento nos preços do petróleo da década de 1970 colocou nas pautas corporativas questões relacionadas à uma melhor Gestão de Materiais e ao Planejamento da Produção. Surgiu o MRP (Material Requirement Planning ou Planejamento de Requerimentos de Materiais), cuja evolução desaguaria nos Sistemas ERP (Enterprise Resource Planning ou Planejamento de Recursos Empresarias) contemporâneos.

Técnicas adotadas por grandes empresas japonesas, como Just-in-Time, Círculos de Controle da Qualidade, Controles Estatísticos de Processo, Kaizen (Aperfeiçoamento Contínuo) e Kanban (uso de cartões para solicitação dos componentes e matérias-primas), foram disseminadas em incontáveis eventos como o "dernier cri" da moda empresarial e consideradas razões importantes para a ascensão do Japão à primeira divisão dos "global players" nos anos 70, tendo partido de um campo arrasado por duas bombas atômicas e pela derrota na 2.a Guerra Mundial.

A instabilidade financeira decorrente do aumento generalizado dos preços do petróleo provocou uma onda de impactos expressivos na Gestão Financeira e Organizacional. A organização em Centros de Custos e depois em Centros de Resultados, cuja origem remonta à constituição e administração da General Motors, por Alfred Sloan, nos anos 20, ganha novo impulso. Também, cresce a adoção por parte dos responsáveis financeiros de novos instrumentos como planilhas, a incorporação da prática do hedging, o surgimento do ABC (Activity Based Costing), a busca do foco empresarial nos seus aspectos fundamentais da qual resultaram a terceirização (e a quarteirização) dos serviços considerados não-essenciais, entre outros aspectos.

No marketing é interessante contrastar de um lado, a postulação de Henry Ford, de que o consumidor poderia adquirir um automóvel Ford de qualquer cor ? contanto que fosse preto -, que simbolizou a postura das empresas até os anos 50 e 60 (quando as geladeiras e fogões eram sempre brancos) e, de outro lado, as novas proposições surgidas a partir dos anos 70, quando se difundiram o database marketing, o marketing direto, o de guerrilha, o one?to?one e o apoio do datawharehouse e do data mining, entre outras. Este contraste fala das dificuldades que as empresas industriais tradicionais passaram a enfrentar desde os anos 70 para vender seus produtos num mercado onde a balança passou a pender mais e mais para o lado comprador.

O crescente poder dos compradores, o aumento nos custo energéticos, a saturação da paisagem com detritos industriais, as mudanças comportamentais dos 60 e 70, criaram um ecossistema favorável à eclosão de grande número de movimentos e organizações. Na política, a cor da moda passou a ser o verde. Emergiram as ONGs dedicadas à defesa dos direitos dos consumidores, as que exigem das empresas maiores responsabilidades civis e compromisso com a reciclagem de seus produtos, demandam preservação do meio-ambiente, postura social e ética mais civilizada.

Conforme estas questões foram afetando o "bottom-line", ? aquela linha crítica da Demonstração de Lucros & Perdas, que deve ser apresentada sempre na cor azul e onde o vermelho é tido como sendo de muito mau-gosto ? as empresas passaram a ter de se organizar para lidar com isto. Tentaram adaptar-se de diversas formas. Tanto à moda antiga, intensificando os trabalhos de lobby junto aos governos, como inovando pela criação de vários sabores de marketing (o esportivo, o cultural, o social, o filantrópico) e tentando, em muitos casos, abrir canais diretos por meio dos Serviços de Atendimento ao Consumidor.

Preocupante é o fato de que boa parte das questões acima mencionadas não foram ainda incorporadas ao currículo de muitas escolas de administração. Nem mesmo os CPDs de antigamente, nem as áreas de Telecomunicações e Tecnologia da Informação mais modernas, - sem as quais as referidas técnicas não poderiam existir - tem lugar claramente definido nos organogramas dos livros texto atuais.

De fato, a evolução e as revoluções nos computadores foram e são o pano de fundo sobre o qual - cada vez mais - estão sendo tecidas as "modas" na Gestão de Empresas. É um dos eixos em torno do qual as novas técnicas vem surgindo e se impondo com amplitude cada vez maior. A partir da entrada na passarela dos minicomputadores, nos anos 70, e depois dos microcomputadores nos anos 80, desencadearam-se sucessivamente modas como o downsizing (e depois o rightsizing), a constituição de redes locais, as arquiteturas cliente-servidor, a computação colaborativa (groupware e workgroup computing) e, mais recentemente, a explosão da Internet e de uma profusão de novas tecnologias associadas e derivadas entre as quais vem ganhando destaque a computação móvel: handhelds, WAP, wearables, entre outros.

A própria área de sistemas tem sido um palco em que, desde o fim do império dos CPDs, novos figurinos aparecem sem parar. Com o objetivo de diminuir os custos associados ao desenvolvimento de software proliferam novas metodologias, técnicas, ferramentas e linguagens de programação entre as quais destacam-se a transição das linguagens e técnicas procedurais para as estruturadas, o surgimento das ferramentas CASE (Computer Aided Software Engineering) e a generalização das linguagens de programação orientadas a objeto.

Juntamente com o avanço da informática, outras modificações profundas vem ocorrendo no interior do sistema produtivo: o setor industrial perde predominância econômica e social para outros segmentos como serviços financeiros e organizações do terceiro setor que também disputam o centro do palco; questões relacionadas à propriedade do trabalho autoral - músicas, livros, obras de arte, filmes, design, textos científicos, software, sementes modificadas, remédios, entre outros - emergem ao primeiro plano dos litígios internacionais.

A penúltima das grandes modas gerenciais a sacudir o mundo corporativo foi a da Reengenharia. Em sua essência, trata de usar a Tecnologia da Informação para derrubar as fronteiras departamentais estabelecidas na era do chapéu-paletó-e-gravata e organizar as empresas conforme os processos relevantes por elas operados. Assim, por exemplo, o produto que é passado pelo terminal do supermercado imediatamente registra no computador do fornecedor quando é chegada a hora de renovar os suprimentos. Com a Reengenharia, os trabalhos dedicados a fazer as informações andarem de um departamento a outro tornaram-se obsoletos.

A combinação da Reengenharia com a Internet gerou o B2C (Business To Consumer, vendas pela Internet aos consumidores, no qual vem se destacando o Gerenciamento das Redes de Fornecedores) e o B2B (Business To Business, compras e vendas pela Internet entre empresas).

Na seqüência da Reengenharia, vem se aproximando a nova onda do Gerenciamento do Conhecimento.

O(s) novo(s) figurino(s) do Gerenciamento do Conhecimento

A partir de meados da década de '90, quando Gerenciamento do Conhecimento debuta na passarela das modas gerenciais, a paisagem corporativa nos Estados Unidos, sobretudo nas áreas em que a criatividade é um ingrediente importante, se apresenta num ambiente de trabalho no qual a informalidade fez significativos avanços. Cabelos compridos, calças jeans, camisas coloridas, a companhia de animais de estimação, cantinas, salas de jogo, espaços favoráveis à troca de idéias são elementos folclorizados juntamente com as jornadas de trabalho longuíssimas, regadas à pizza & coca-cola, de gente empenhada à fundo no trabalho

Nos livros, textos e palestras onde o o Gerenciamento do Conhecimento é abordado, os conceitos soam etéreos e estranhos. Gerenciamento do Conhecimento seria a capacidade das organizações de transformarem o conhecimento tácito (aquele que está na cabeça dos funcionários) em conhecimento explícito, algo capaz de ser apropriado e apreendido pelos demais elementos da organização. O Gerenciamento do Conhecimento reconheceria que o principal ativo de uma organização é o seu "capital humano e intelectual". Gerenciamento do Conhecimento seria a capacidade das organizações para criar portais e repositórios de informação a partir dos quais os indivíduos serão capazes de apreender fatos novos (neste sentido o Datawarehouse e o Datamining teriam sido técnicas precursoras desta nova onda) e assim por diante. Os fabricantes de software esforçam-se por desenvolver produtos que concretizem os conceitos relacionados ao assunto.

Algumas das tecnologias mais evoluídas neste terreno tem se originado na Lotus/IBM e contém sofisticados mecanismos para indexação, busca e mapeamento de informação com o objetivo de identificar especialistas em determinados assuntos a partir de uma enorme diversidade de fontes de informação digital. Incluem ainda ferramentas para a produção de treinamentos que podem ser realizados à distância, minimizando a necessidade presencial e, em conseqüência, os custos (deslocamento dos treinandos e instrutores, ausência dos funcionários em horário de trabalho, salas, entre outros).

Outra vertente do Gerenciamento do Conhecimento propõe compilar as competências de uma organização mediante o registro das habilidades e qualificações de seus funcionários. Procura identificar pontos fortes e fracos da organização e capacitá-la para treinar e recrutar a fim de suprir carências.

Em síntese, ao meu ver, Gerenciamento do Conhecimento é algo ainda muito novo, difuso e pouco consolidado. E nem é certo que venha a se constituir como teoria, técnica ou prática gerencial.permanente. Nem tudo que entrou na moda no decorrer de todos estes anos veio para ficar. Neste sentido, o figurino do Gerenciamento do Conhecimento seria constituído, também, por adereços entre os quais pode ser difícil separar as jóias das bijuterias.

Mais relevantes que os conteúdos relacionados ao Gerenciamento do Conhecimento em si mesmo, são as questões que as empresas, a economia e a sociedade estão vivendo e para as quais o Gerenciamento de Conhecimento tenta se apresentar como uma resposta, para além dos modismos efêmeros.

O Gerenciamento do Conhecimento se dirige a um mundo em que a única coisa que parece permanente é o ritmo acelerado de mudança. A meteorologia econômica mundial se assemelha ao tempo em S.Paulo ou Chicago: todas as estações do ano num só dia. Ao mesmo tempo, segue fluindo a enxurrada de novas tecnologias, produtos, práticas gerenciais e sociais que exigem monitoramento constante de seus impactos potenciais e a rápida adoção de medidas correspondentes. Tudo isto demanda capacidade para analisar, interpretar e se adaptar rapidamente. Em suma, uma flexibilidade que o modelo departamentalizado da era industrial não possui ou ainda não adquiriu.

A crescente substituição dos organogramas piramidais pelos formatos em rede e em círculo reflete em grande medida estas novas circunstâncias. A linha de autoridade nítida, baseada em cargos, onde todos sabem quem é o superior hierárquico, dá lugar a situações onde a liderança está cada vez mais relacionada à função e ao papel desempenhado pelo indivíduo. A informação está disponível de modo cada vez mais amplo e o indivíduo reporta-se a diferentes pessoas em vários níveis da organização.

Parte expressiva dos setores dinâmicos na economia e nas empresas estão situados em áreas onde a qualificação e a capacidade dos indivíduos é fator decisivo para o bom desempenho: a produção de software e de equipamentos tecnologicamente sofisticados, a pesquisa farmacêutica e em biotecnologia, a produção áudio-visual, entre outros.

Mais ainda: mesmo nos setores tradicionais, o processo de trabalho está sendo constantemente recriado com base nas novas tecnologias e práticas gerenciais. Além da capacidade de ler, escrever e realizar as quatro operações aritméticas - os requisitos mínimos para um bom emprego na etapa anterior -, exige-se agora do indivíduo habilidades no uso de computadores, softwares, máquinas complexas e conhecimento de inglês para leitura técnica.

O atual mercado de trabalho apresenta forte disparidade entre a demanda e a oferta de pessoal qualificado, bem como exige investimentos constantes e significativos em comunicação, treinamento e qualificação de recursos humanos.

Um aspecto central - embora pouco mencionado - das questões relacionadas ao Gerenciamento do Conhecimento reside na relação entre empregadores e empregados qualificados. Vamos ilustrá-lo com um caso de aparência heavy-metal.

Jose de Ignácio Lopez de Arriortua foi o celebrado Diretor de Compras da GM que promoveu uma revolução na relação com os fornecedores daquela montadora de automóveis. A essência da revolução consistiu na combinação de três movimentos simultâneos: significativa redução no número de fornecedores, aumento na escala de produção de cada fornecedor e exigência de uma expressiva redução nos preços unitários. Em 1993, o alto executivo e diversos membros de sua equipe trocaram a GM pela Volkswagen. Seguiu-se então uma batalha judicial e de relações públicas de grandes proporções. A GM moveu contra ele e seu novo empregador, um processo por roubo de segredos industriais, marcas registradas e documentos. Após 4 anos de litígios legais nos EUA e na Alemanha, a VW aceitou um acordo extra-judicial por meio do qual se comprometeu a pagar US$ 100 milhões à GM e dela comprar US$ 1 bilhão em peças. Isto dá uma idéia dos valores envolvidos com a Gestão do Conhecimento.

O caso ilustra bem um dilema que, em escalas diversas acomete todo o mundo empresarial. Na medida que o figurino sunga e tanga da escravidão tornou-se "demodeè" e os empregados tem a efetiva liberdade de passar de um emprego a outro, levando consigo o conteúdo de seus cérebros, aprendizagens, equipes de trabalho, contatos profissionais, relações pessoais, documentos, etc., as empresas nas quais trabalhavam podem sofrer de um momento para outro de dois grandes males: o primeiro é a interrupção de processos vitais; o segundo é a possibilidade que informações importantes do negócio sejam transferidos aos concorrentes. O problema existe tanto para as mega-corporações, como foi exemplificado acima, até para as pequenas empresas que dependam de um empregado ou fornecedor altamente especializado.

A primeira linha de defesa das corporações em relação ao problema de limitar a saída de empregados depositários de conhecimentos fundamentais, sobretudo nos EUA, foram as "stock options", isto é, o compromisso de vender ações aos funcionários a um preço pré-estabelecido depois de um certo número de anos de casa. Conforme a empresa e o tipo de funcionário, varia o número de anos a partir do qual estes direitos são oferecidos, adquiridos e podem ser exercidos. Esta política transformou muitos funcionários estadunidenses em milionários e alguns em bilionários. Na fase de "exuberância irracional" que caracterizou o mercado de ações dos EUA nos anos '90, esta política se constituiu numa verdadeira cumbuca de ouro. O funcionário que trocasse de emprego teria de abrir mão de ganhos expressivos. No entanto, agora que os mercados de ações vem caindo e, em número cada vez maior de casos, o preço das opções é maior que o praticado no mercado, este modelito vem perdendo appeal.

Face a esta situação, o Gerenciamento de Conhecimento pode ser visto como uma atitude menos defensiva e mais ativa. Assim, por exemplo, as tecnologias da Lotus fazem uma analogia entre as informações digitais disponíveis na organização, com os pedaços de pão que, na fábula infantil, João e Maria deixam ao longo da estrada para encontrarem o caminho de volta. Neste cenário, funcionários que venham a assumir projetos análogos a outros, desenvolvidos anteriormente, não precisam partir do zero e, graças às novas tecnologias, podem recuperar documentos, cronogramas, avaliações e outros pedaços de informação que de alguma forma contém a sabedoria institucional sobre o assunto. Com muito maior eficácia, esta teoria pode ser aplicada para o treinamento e qualificação de novos funcionários nos usos, costumes e políticas das grandes organizações.

Pode-se dizer que este tipo de resposta é relativamente tímida quando comparada ao caso do Chefe de Compras da GM acima mencionado. Apesar disto, trata-se efetivamente de um passo adiante no equacionamento de uma questão real de difícil trato. A analogia dos pedaços de pão se aplica efetivamente a um grande número de atividades em diferentes setores das organizações. A elaboração de cursos, de propostas de vendas de produtos e serviços, a identificação de especialistas em mega-corporações, inclusive governos, universidades, exércitos, são indiscutivelmente campos de aplicação desta nova abordagem.


(*) Roberto Jorge Regensteiner é formado em administração de empresas, mestre em economia e especialista em diversas áreas relacionadas à tecnologia de informação.Atualmente trabalha como consultor na Lotus do Brasil.

Email:

Roberto_Regensteiner@lotus.com

 


 
Artigo publicado no site do InterPsic: http://www.interpsic.com.br/saladeleitura/texto16.html , São Paulo. 2.000