Desde
os anos 40, quando Peter Drucker se estabeleceu como estudioso e oráculo
do mundo corporativo norte americano, os assuntos relacionados à
gestão de empresas vem interessando cada vez mais ao grande público.
Até
o fim dos 60, a Administração de Empresas se apresentava
como um corpo razoavelmente estável de conhecimentos e técnicas.
Os textos de Taylor e Fayol, elaborados em torno dos anos mil e novecentos,
continuavam a ser o núcleo fundamental dos estudos da Teoria
Geral de Administração. Nos livros textos, a parte superior
dos organogramas mostrava uma empresa de tipo industrial onde os responsáveis
por Produção, Marketing, Finanças e Recursos Humanos
reportavam-se ao executivo principal. Fazendo uma analogia com o mundo
da moda, este período poderia ser caracterizado pelo modelo chapéu-paletó-e-gravata.
A partir
da crise dos 70, novas teorias e técnicas de gestão sucederam-se
em velocidade crescente, comparável de certo modo à sucessão
de modas na indústria do vestuário. As razões mais
profundas destes fenômenos podem ser encontradas nas grandes mudanças
que, desde então, vem ocorrendo na economia e na sociedade e
que obrigam as corporações a um esforço crescente
para tentar entendê-las e adaptar-se.
O aumento
nos preços do petróleo da década de 1970 colocou
nas pautas corporativas questões relacionadas à uma melhor
Gestão de Materiais e ao Planejamento da Produção.
Surgiu o MRP (Material Requirement Planning ou Planejamento de Requerimentos
de Materiais), cuja evolução desaguaria nos Sistemas ERP
(Enterprise Resource Planning ou Planejamento de Recursos Empresarias)
contemporâneos.
Técnicas
adotadas por grandes empresas japonesas, como Just-in-Time, Círculos
de Controle da Qualidade, Controles Estatísticos de Processo,
Kaizen (Aperfeiçoamento Contínuo) e Kanban (uso de cartões
para solicitação dos componentes e matérias-primas),
foram disseminadas em incontáveis eventos como o "dernier
cri" da moda empresarial e consideradas razões importantes
para a ascensão do Japão à primeira divisão
dos "global players" nos anos 70, tendo partido de um campo
arrasado por duas bombas atômicas e pela derrota na 2.a Guerra
Mundial.
A instabilidade
financeira decorrente do aumento generalizado dos preços do petróleo
provocou uma onda de impactos expressivos na Gestão Financeira
e Organizacional. A organização em Centros de Custos e
depois em Centros de Resultados, cuja origem remonta à constituição
e administração da General Motors, por Alfred Sloan, nos
anos 20, ganha novo impulso. Também, cresce a adoção
por parte dos responsáveis financeiros de novos instrumentos
como planilhas, a incorporação da prática do hedging,
o surgimento do ABC (Activity Based Costing), a busca do foco empresarial
nos seus aspectos fundamentais da qual resultaram a terceirização
(e a quarteirização) dos serviços considerados
não-essenciais, entre outros aspectos.
No marketing
é interessante contrastar de um lado, a postulação
de Henry Ford, de que o consumidor poderia adquirir um automóvel
Ford de qualquer cor ? contanto que fosse preto -, que simbolizou a
postura das empresas até os anos 50 e 60 (quando as geladeiras
e fogões eram sempre brancos) e, de outro lado, as novas proposições
surgidas a partir dos anos 70, quando se difundiram o database marketing,
o marketing direto, o de guerrilha, o one?to?one e o apoio do datawharehouse
e do data mining, entre outras. Este contraste fala das dificuldades
que as empresas industriais tradicionais passaram a enfrentar desde
os anos 70 para vender seus produtos num mercado onde a balança
passou a pender mais e mais para o lado comprador.
O crescente
poder dos compradores, o aumento nos custo energéticos, a saturação
da paisagem com detritos industriais, as mudanças comportamentais
dos 60 e 70, criaram um ecossistema favorável à eclosão
de grande número de movimentos e organizações.
Na política, a cor da moda passou a ser o verde. Emergiram as
ONGs dedicadas à defesa dos direitos dos consumidores, as que
exigem das empresas maiores responsabilidades civis e compromisso com
a reciclagem de seus produtos, demandam preservação do
meio-ambiente, postura social e ética mais civilizada.
Conforme
estas questões foram afetando o "bottom-line", ? aquela
linha crítica da Demonstração de Lucros & Perdas,
que deve ser apresentada sempre na cor azul e onde o vermelho é
tido como sendo de muito mau-gosto ? as empresas passaram a ter de se
organizar para lidar com isto. Tentaram adaptar-se de diversas formas.
Tanto à moda antiga, intensificando os trabalhos de lobby junto
aos governos, como inovando pela criação de vários
sabores de marketing (o esportivo, o cultural, o social, o filantrópico)
e tentando, em muitos casos, abrir canais diretos por meio dos Serviços
de Atendimento ao Consumidor.
Preocupante
é o fato de que boa parte das questões acima mencionadas
não foram ainda incorporadas ao currículo de muitas escolas
de administração. Nem mesmo os CPDs de antigamente, nem
as áreas de Telecomunicações e Tecnologia da Informação
mais modernas, - sem as quais as referidas técnicas não
poderiam existir - tem lugar claramente definido nos organogramas dos
livros texto atuais.
De fato,
a evolução e as revoluções nos computadores
foram e são o pano de fundo sobre o qual - cada vez mais - estão
sendo tecidas as "modas" na Gestão de Empresas. É
um dos eixos em torno do qual as novas técnicas vem surgindo
e se impondo com amplitude cada vez maior. A partir da entrada na passarela
dos minicomputadores, nos anos 70, e depois dos microcomputadores nos
anos 80, desencadearam-se sucessivamente modas como o downsizing (e
depois o rightsizing), a constituição de redes locais,
as arquiteturas cliente-servidor, a computação colaborativa
(groupware e workgroup computing) e, mais recentemente, a explosão
da Internet e de uma profusão de novas tecnologias associadas
e derivadas entre as quais vem ganhando destaque a computação
móvel: handhelds, WAP, wearables, entre outros.
A própria
área de sistemas tem sido um palco em que, desde o fim do império
dos CPDs, novos figurinos aparecem sem parar. Com o objetivo de diminuir
os custos associados ao desenvolvimento de software proliferam novas
metodologias, técnicas, ferramentas e linguagens de programação
entre as quais destacam-se a transição das linguagens
e técnicas procedurais para as estruturadas, o surgimento das
ferramentas CASE (Computer Aided Software Engineering) e a generalização
das linguagens de programação orientadas a objeto.
Juntamente
com o avanço da informática, outras modificações
profundas vem ocorrendo no interior do sistema produtivo: o setor industrial
perde predominância econômica e social para outros segmentos
como serviços financeiros e organizações do terceiro
setor que também disputam o centro do palco; questões
relacionadas à propriedade do trabalho autoral - músicas,
livros, obras de arte, filmes, design, textos científicos, software,
sementes modificadas, remédios, entre outros - emergem ao primeiro
plano dos litígios internacionais.
A penúltima
das grandes modas gerenciais a sacudir o mundo corporativo foi a da
Reengenharia. Em sua essência, trata de usar a Tecnologia da Informação
para derrubar as fronteiras departamentais estabelecidas na era do chapéu-paletó-e-gravata
e organizar as empresas conforme os processos relevantes por elas operados.
Assim, por exemplo, o produto que é passado pelo terminal do
supermercado imediatamente registra no computador do fornecedor quando
é chegada a hora de renovar os suprimentos. Com a Reengenharia,
os trabalhos dedicados a fazer as informações andarem
de um departamento a outro tornaram-se obsoletos.
A combinação
da Reengenharia com a Internet gerou o B2C (Business To Consumer, vendas
pela Internet aos consumidores, no qual vem se destacando o Gerenciamento
das Redes de Fornecedores) e o B2B (Business To Business, compras e
vendas pela Internet entre empresas).
Na seqüência
da Reengenharia, vem se aproximando a nova onda do Gerenciamento do
Conhecimento.
O(s)
novo(s) figurino(s) do Gerenciamento do Conhecimento
A partir
de meados da década de '90, quando Gerenciamento do Conhecimento
debuta na passarela das modas gerenciais, a paisagem corporativa nos
Estados Unidos, sobretudo nas áreas em que a criatividade é
um ingrediente importante, se apresenta num ambiente de trabalho no
qual a informalidade fez significativos avanços. Cabelos compridos,
calças jeans, camisas coloridas, a companhia de animais de estimação,
cantinas, salas de jogo, espaços favoráveis à troca
de idéias são elementos folclorizados juntamente com as
jornadas de trabalho longuíssimas, regadas à pizza &
coca-cola, de gente empenhada à fundo no trabalho
Nos
livros, textos e palestras onde o o Gerenciamento do Conhecimento é
abordado, os conceitos soam etéreos e estranhos. Gerenciamento
do Conhecimento seria a capacidade das organizações de
transformarem o conhecimento tácito (aquele que está na
cabeça dos funcionários) em conhecimento explícito,
algo capaz de ser apropriado e apreendido pelos demais elementos da
organização. O Gerenciamento do Conhecimento reconheceria
que o principal ativo de uma organização é o seu
"capital humano e intelectual". Gerenciamento do Conhecimento
seria a capacidade das organizações para criar portais
e repositórios de informação a partir dos quais
os indivíduos serão capazes de apreender fatos novos (neste
sentido o Datawarehouse e o Datamining teriam sido técnicas precursoras
desta nova onda) e assim por diante. Os fabricantes de software esforçam-se
por desenvolver produtos que concretizem os conceitos relacionados ao
assunto.
Algumas
das tecnologias mais evoluídas neste terreno tem se originado
na Lotus/IBM e contém sofisticados mecanismos para indexação,
busca e mapeamento de informação com o objetivo de identificar
especialistas em determinados assuntos a partir de uma enorme diversidade
de fontes de informação digital. Incluem ainda ferramentas
para a produção de treinamentos que podem ser realizados
à distância, minimizando a necessidade presencial e, em
conseqüência, os custos (deslocamento dos treinandos e instrutores,
ausência dos funcionários em horário de trabalho,
salas, entre outros).
Outra
vertente do Gerenciamento do Conhecimento propõe compilar as
competências de uma organização mediante o registro
das habilidades e qualificações de seus funcionários.
Procura identificar pontos fortes e fracos da organização
e capacitá-la para treinar e recrutar a fim de suprir carências.
Em síntese,
ao meu ver, Gerenciamento do Conhecimento é algo ainda muito
novo, difuso e pouco consolidado. E nem é certo que venha a se
constituir como teoria, técnica ou prática gerencial.permanente.
Nem tudo que entrou na moda no decorrer de todos estes anos veio para
ficar. Neste sentido, o figurino do Gerenciamento do Conhecimento seria
constituído, também, por adereços entre os quais
pode ser difícil separar as jóias das bijuterias.
Mais
relevantes que os conteúdos relacionados ao Gerenciamento do
Conhecimento em si mesmo, são as questões que as empresas,
a economia e a sociedade estão vivendo e para as quais o Gerenciamento
de Conhecimento tenta se apresentar como uma resposta, para além
dos modismos efêmeros.
O Gerenciamento
do Conhecimento se dirige a um mundo em que a única coisa que
parece permanente é o ritmo acelerado de mudança. A meteorologia
econômica mundial se assemelha ao tempo em S.Paulo ou Chicago:
todas as estações do ano num só dia. Ao mesmo tempo,
segue fluindo a enxurrada de novas tecnologias, produtos, práticas
gerenciais e sociais que exigem monitoramento constante de seus impactos
potenciais e a rápida adoção de medidas correspondentes.
Tudo isto demanda capacidade para analisar, interpretar e se adaptar
rapidamente. Em suma, uma flexibilidade que o modelo departamentalizado
da era industrial não possui ou ainda não adquiriu.
A crescente
substituição dos organogramas piramidais pelos formatos
em rede e em círculo reflete em grande medida estas novas circunstâncias.
A linha de autoridade nítida, baseada em cargos, onde todos sabem
quem é o superior hierárquico, dá lugar a situações
onde a liderança está cada vez mais relacionada à
função e ao papel desempenhado pelo indivíduo.
A informação está disponível de modo cada
vez mais amplo e o indivíduo reporta-se a diferentes pessoas
em vários níveis da organização.
Parte
expressiva dos setores dinâmicos na economia e nas empresas estão
situados em áreas onde a qualificação e a capacidade
dos indivíduos é fator decisivo para o bom desempenho:
a produção de software e de equipamentos tecnologicamente
sofisticados, a pesquisa farmacêutica e em biotecnologia, a produção
áudio-visual, entre outros.
Mais
ainda: mesmo nos setores tradicionais, o processo de trabalho está
sendo constantemente recriado com base nas novas tecnologias e práticas
gerenciais. Além da capacidade de ler, escrever e realizar as
quatro operações aritméticas - os requisitos mínimos
para um bom emprego na etapa anterior -, exige-se agora do indivíduo
habilidades no uso de computadores, softwares, máquinas complexas
e conhecimento de inglês para leitura técnica.
O atual
mercado de trabalho apresenta forte disparidade entre a demanda e a
oferta de pessoal qualificado, bem como exige investimentos constantes
e significativos em comunicação, treinamento e qualificação
de recursos humanos.
Um aspecto
central - embora pouco mencionado - das questões relacionadas
ao Gerenciamento do Conhecimento reside na relação entre
empregadores e empregados qualificados. Vamos ilustrá-lo com
um caso de aparência heavy-metal.
Jose
de Ignácio Lopez de Arriortua foi o celebrado Diretor de Compras
da GM que promoveu uma revolução na relação
com os fornecedores daquela montadora de automóveis. A essência
da revolução consistiu na combinação de
três movimentos simultâneos: significativa redução
no número de fornecedores, aumento na escala de produção
de cada fornecedor e exigência de uma expressiva redução
nos preços unitários. Em 1993, o alto executivo e diversos
membros de sua equipe trocaram a GM pela Volkswagen. Seguiu-se então
uma batalha judicial e de relações públicas de
grandes proporções. A GM moveu contra ele e seu novo empregador,
um processo por roubo de segredos industriais, marcas registradas e
documentos. Após 4 anos de litígios legais nos EUA e na
Alemanha, a VW aceitou um acordo extra-judicial por meio do qual se
comprometeu a pagar US$ 100 milhões à GM e dela comprar
US$ 1 bilhão em peças. Isto dá uma idéia
dos valores envolvidos com a Gestão do Conhecimento.
O caso
ilustra bem um dilema que, em escalas diversas acomete todo o mundo
empresarial. Na medida que o figurino sunga e tanga da escravidão
tornou-se "demodeè" e os empregados tem a efetiva liberdade
de passar de um emprego a outro, levando consigo o conteúdo de
seus cérebros, aprendizagens, equipes de trabalho, contatos profissionais,
relações pessoais, documentos, etc., as empresas nas quais
trabalhavam podem sofrer de um momento para outro de dois grandes males:
o primeiro é a interrupção de processos vitais;
o segundo é a possibilidade que informações importantes
do negócio sejam transferidos aos concorrentes. O problema existe
tanto para as mega-corporações, como foi exemplificado
acima, até para as pequenas empresas que dependam de um empregado
ou fornecedor altamente especializado.
A primeira
linha de defesa das corporações em relação
ao problema de limitar a saída de empregados depositários
de conhecimentos fundamentais, sobretudo nos EUA, foram as "stock
options", isto é, o compromisso de vender ações
aos funcionários a um preço pré-estabelecido depois
de um certo número de anos de casa. Conforme a empresa e o tipo
de funcionário, varia o número de anos a partir do qual
estes direitos são oferecidos, adquiridos e podem ser exercidos.
Esta política transformou muitos funcionários estadunidenses
em milionários e alguns em bilionários. Na fase de "exuberância
irracional" que caracterizou o mercado de ações dos
EUA nos anos '90, esta política se constituiu numa verdadeira
cumbuca de ouro. O funcionário que trocasse de emprego teria
de abrir mão de ganhos expressivos. No entanto, agora que os
mercados de ações vem caindo e, em número cada
vez maior de casos, o preço das opções é
maior que o praticado no mercado, este modelito vem perdendo appeal.
Face
a esta situação, o Gerenciamento de Conhecimento pode
ser visto como uma atitude menos defensiva e mais ativa. Assim, por
exemplo, as tecnologias da Lotus fazem uma analogia entre as informações
digitais disponíveis na organização, com os pedaços
de pão que, na fábula infantil, João e Maria deixam
ao longo da estrada para encontrarem o caminho de volta. Neste cenário,
funcionários que venham a assumir projetos análogos a
outros, desenvolvidos anteriormente, não precisam partir do zero
e, graças às novas tecnologias, podem recuperar documentos,
cronogramas, avaliações e outros pedaços de informação
que de alguma forma contém a sabedoria institucional sobre o
assunto. Com muito maior eficácia, esta teoria pode ser aplicada
para o treinamento e qualificação de novos funcionários
nos usos, costumes e políticas das grandes organizações.
Pode-se
dizer que este tipo de resposta é relativamente tímida
quando comparada ao caso do Chefe de Compras da GM acima mencionado.
Apesar disto, trata-se efetivamente de um passo adiante no equacionamento
de uma questão real de difícil trato. A analogia dos pedaços
de pão se aplica efetivamente a um grande número de atividades
em diferentes setores das organizações. A elaboração
de cursos, de propostas de vendas de produtos e serviços, a identificação
de especialistas em mega-corporações, inclusive governos,
universidades, exércitos, são indiscutivelmente campos
de aplicação desta nova abordagem.
(*) Roberto Jorge Regensteiner é formado em administração
de empresas, mestre em economia e especialista em diversas áreas
relacionadas à tecnologia de informação.Atualmente
trabalha como consultor na Lotus do Brasil.
Email:
Roberto_Regensteiner@lotus.com