Uma exploração de diversas funções da comunicação eletrônica como defesa social

Allan Shafer (*)
Suzy Nixon (**)
Tradução:
Vera Rita de Mello Ferreira

 

"Apenas conecte", escreveu E.M.Forster em seu romance Howard's End, muito antes de ser possível visualizar as complexidades dos modernos meios eletrônicos de conexão. Forster compreendia a fragilidade das relações humanas, e estava se referindo à luta para conhecer outra pessoa, para se ligar de forma real e não defendida. O nosso artigo versa sobre a capacidade da mídia eletrônica funcionar a serviço de defesas sociais, para aumentar ou diminuir a ligação humana.

A comunicação por e-mail e a televisão são meios eletrônicos que transmitem diversos tipos de mensagens. A comunicação por e-mail é interpessoal e suas mensagens são recebidas privadamente, e requerem uma resposta pessoal. Ela geralmente utiliza apenas um meio de impressão com uma ausência inevitável de outras entradas sensoriais. (Uma exceção é quando os emails e seus anexos incluem gráficos e videoclips, que podem usar som e movimento.) Quando eu mando um e-mail a você, eu não posso ver seu rosto, ouvir sua respiração e perceber seus sentimentos quando você o recebe, como aconteceria se nós estivéssemos na mesma sala. Eu estou isolado dos dados sensoriais da sua resposta real. Eu tenho somente um recipiente imaginado, fantasiado, sobre o qual é realmente fácil fazer projeções. A hipótese aqui é que a falta da presença física serve para despersonalizar o objeto, e facilitar a cisão de sentimentos.

A televisão, embora ainda seja um meio eletrônico, oferece acesso a estímulos sensoriais, e está direcionada a uma audiência pública. As massas que a assistem em geral não respondem diretamente e individualmente ao transmissor das imagens, mas compartilham sua visão, e possivelmente outros aspectos não-óbvios da experiência. É um meio que atrai projeções e fantasias, e nós fazemos a hipótese de que mobiliza forças sociais inconscientes de forma única.

Neste artigo utilizaremos uma perspectiva sócio-analítica para explorar de que modo esses meios podem ser mobilizados para dar suporte a diferentes defesas sociais. Temos a hipótese de que o e-mail serve prontamente às funções de cisão e identificação projetiva características da posição esquizo-paranóide; também fazemos referência a como a televisão pode dar melhor suporte à identificação e reparação - processos da posição depressiva. Este artigo examina e contrasta algumas experiências relatadas sobre e-mail em local de trabalho, e a cobertura televisiva da cerimônia de abertura dos últimos Jogos Olímpicos. O foco é sobre estes dois contextos (embora primordialmente sobre e-mail) porque eles parecem estar ironicamente ligados: os ambientes de trabalho australianos parecem estar cada vez mais caracterizados por uma desintegração institucional, enquanto que os Jogos Olímpicos parecem ser altamente evocativos de identificação e reconciliação públicas.

Partes deste artigo foram apresentadas originalmente na Série de Seminários AISA: "E-administração (e-management) - quem é o responsável hoje?"

No artigo exploramos inicialmente observações sobre as potenciais funções socialmente defensivas do email, depois comentamos sobre a representação pública e reações a temas da vida australiana atual conforme apresentada na cobertura pela televisão da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Sydney de 2000.

Comunicação por e-mail como um veículo de defesa social

O ponto de partida para o artigo original apresentado no seminário foi uma demanda feita a mim (Suzy) para trabalhar numa organização que havia feito uma auditoria em suas mensagens de e-mail e anexos (attachments), e descoberto um grande número de imagens pornográficas e violentas nos computadores dos funcionários. Eu vi uma amostra do material, e descobri que, além das piadas sexuais e escatológicas habituais, havia um grande número de videoclips, alguns dos quais eram pornográficos (p.ex. bestialidade, sexo com aparelhos mecânicos) e outros eram violentos (um homem sendo comido por crocodilo, um outro despencando mortalmente de um prédio). Esta organização era apenas uma dentre muitas com esse tipo de problema. Duas grandes montadoras de automóveis haviam demitido funcionários devido à pornografia eletrônica. Num artigo anterior na Série de Seminários AISA, Alastair Bain havia se referido a Telstra como uma organização onde uma grande mudança parecia evidente, e a Telstra também estava na mídia em junho de 2000 por ter demitido funcionários devido à pornografia por e-mail e internet. Um relatório de maio de 2000 no jornal 'The Age' dizia que cinco policiais de Victoria (território australiano-n.t.) haviam sido suspensos por faltas disciplinares envolvendo 'o uso impróprio do sistema de e-mail da força policial' - eles haviam supostamente enviado imagens pornográficas e violentas e mensagens abusivas por e-mail. Eu escutei alegações semelhantes sobre a força policial de NSW(território australiano-n.t.).

Tudo isso levanta muitas questões interessantes, mas hoje tentaremos abordar com uma perspectiva sócio-analítica de que forma a comunicação eletrônica pode ser mobilizada como veículo de defesa social dentro de organizações. Na minha observação isso acontece de formas diferentes, e minha proposta é explorá-las brevemente através de vários exemplos.

E-mail como suporte de uma sub-cultura negativa que funciona como defesa social

A cultura de uma organização é composta por atitudes e valores compartilhados por seus funcionários, suas normas e padrões de comportamento aceitos, e aspectos presumidos, geralmente não-questionados e frequentemente inconscientes. A cultura é frequentemente evidenciada no clima do local.

Em algumas organizações se desenvolve uma sub-cultura que não é simplesmente uma sub-cultura, mas é de fato ilícita. É antiética em relação aos valores declarados da organização, e em graus variados, vai sabotar a realização das tarefas primárias da organização. Eu acredito que isso seja mais provável de ocorrer quando a tarefa da organização é mais inerentemente causadora de ansiedade, e não há meios organizacionais adequados, sancionados e efetivos para lidar com a ansiedade.

Uma outra possibilidade é quando a natureza do trabalho de uma porção particular da organização, ou de um grupo dentro dela, está tão desconectada da tarefa primária da organização, que seus funcionários se tornam cada vez mais alienados e agem de maneira bastante feroz. Um terceiro tipo de cultura negativa que tenho percebido surgiu quando os funcionários se sentiram tratados como peças da engrenagem organizacional, com trabalhos que não tinham muito sentido para eles, nem lhes traziam muita satisfação, e onde não se sentiam muito valorizados. Momentos de crescimento organizacional de alto a baixo rápidos e intensos, com pouca atenção dada aos sentimentos da equipe, ou ao seu engajamento no processo de mudança também aumentariam, de forma semelhante, a probabilidade de se desenvolver uma sub-cultura negativa.

Eu penso que o desenvolvimento da sub-cultura negativa que estou descrevendo representa um processo grupal inconsciente de se afastar de alguma coisa dentro da organização. Isso pode ocorrer se a organização não oferece um campo suficiente para lidar com os sentimentos muito perturbadores que são despertados pela natureza do trabalho. Esses sentimentos podem então ser cindidos e expelidos (split off), aparecendo em algum outro lugar como manifestação destrutiva ou sendo atuados de modo transformado.

Meu primeiro exemplo é aquele a que aludi anteriormente, onde a equipe, homens e mulheres, circulavam entre si imagens e videoclips violentos e pornográficos, bem como piadas e comentários sexuais. É uma organização onde a equipe tem que enfrentar os efeitos da tragédia humana, de diferentes maneiras, e com diferentes graus de contato. Nesta organização a equipe freqüentemente se confronta com material perturbador e desagradável, em circunstâncias onde são constrangidos a não reconhecer o impacto que isso tem sobre eles. É uma organização onde admitir sua própria aflição poderia indicar fraqueza, ou que a pessoa não estaria mais apta a realizar seu trabalho. Não parecia haver espaço onde seus sentimentos pudessem ter permissão para surgir, e eu pensei que as imagens de violência e sexo despersonalizado podiam ser uma transformação brutalizada dos sentimentos de choque que de outra forma, estavam negados. Os homens que entrevistei me disseram que eles enviavam as imagens por seu 'valor de choque'.

Eu não trabalhei diretamente com a polícia, mas sugiro que algo semelhante possa ocorrer ali. Conheço alguns aspectos negativos da cultura policial, e sei que admitir que se tenha vulnerabilidade é freqüentemente proibido nessa cultura.

Em serviços de emergência, e em serviços humanos onde os funcionários têm que se confrontar com sofrimentos humanos terríveis, as defesas organizacionais contra esses confrontos são freqüentemente adotadas, conforme nos mostrou o estudo clássico de Menzies Lyth sobre enfermeiras num hospital. Nos exemplos acima, eu sugiro que o sexo e a violência nos emails podem ser usados como uma resposta defensiva ao conteúdo angustiante do trabalho diário da polícia. Eu sugiro que aos sentimentos de choque não permitidos é dada uma expressão perversa no ato de olhar e enviar as imagens. Os homens me disseram que não consideravam as imagens sexualmente excitantes - essa resposta também me pareceu defensivamente negada.

Quando as pessoas trabalham com a tragédia humana, o humor negro e as piadas de péssimo gosto são comuns, e também vistas como uma resposta defensiva. No entanto, eu acredito que exista uma diferença no fato do sujeito que faz a piada horrorosa não excindir (split off) completamente seus sentimentos de sua origem. Nós sabemos que é uma piada sobre aleijado, morte, ou seja o que for, e que estamos rindo como um meio de evitar as lágrimas. A transformação e o deslocamento de sentimentos não-permitidos em email pornográfico e congêneres, é feita inconscientemente. A pessoa que olha com emoção voyeurista as imagens em sua tela não tem percepção consciente de que está tudo relacionado com seu papel ao lidar com material humano perturbador.

As imagens pornográficas que eu vi, e o tipo que me descrevem como sendo comum nos anexos de email onde o problema surge, eram imagens de despersonalização. Eles mostravam atos sexuais que eram apenas representações grosseiras, raramente sequer incluindo o corpo inteiro, mas somente as partes genitais. As fotos de genitália em movimento, ou como em um vídeo, um tipo de pistão mecânico penetrando uma vagina sem parar, pareciam um ataque à idéia de relação, proximidade e vínculo.

Recentemente eu visitei uma fábrica automotiva onde o problema de email pornográfico tinha atingido o ponto de chegar a 40% - quando os funcionários tiveram a notícia de que teriam os emails auditados, foi esse o espaço livre que surgiu no sistema de email dos computadores. Eu não vi o material mas tive a informação de que se tratava de exemplos semelhantes aos que já descrevi.

A fábrica dessa companhia era altamente automatizada. Os trabalhadores tinham pouco a fazer além de monitorar as telas dos computadores à medida em que os componentes dos carros passavam pela linha de montagem. Em intervalos regulares os trabalhadores podiam sentar-se em locais apropriados para tomar chá. Os locais eram idênticos, com assentos fixos azuis, de plástico, ao lado de mesas oblongas, de modo que mesmo essas áreas recreacionais não tinham aparência de individualidade, ou a possibilidade de promover relações flexíveis. Não era possível sequer mover a própria cadeira.

Eu me perguntei sobre os sentimentos dos trabalhadores num ambiente tão impessoal. Pensei na alienação e tédio que tal trabalho deve envolver, e os abusos contidos nos emails me pareceram, nessas circunstâncias, tanto um tipo de protesto zangado, como uma busca por estimulação em face do trabalho anestesiante e despersonalizado. Talvez o sexo nos emails nessa fábrica fosse uma defesa contra não sentir nada, ou sentir tédio, contra a falta de sentido do trabalho. A escolha de material pornográfico despersonalizado e desumanizado me pareceu até mesmo pungente. A fábrica parecia negar a necessidade de haver pessoas reais entre suas super máquinas governadas eletronicamente. Em alguns cantos robôs levantavam motores de carro e levavam de uma área de produção a outra. Eu me lembrei das imagens robóticas da máquina de sexo naquele vídeo clip.

A área de trabalho de Telstra, onde grandes quantidades de email pornográfico foi encontrado no sistema, é o centro onde os funcionários, praticamente todos do sexo masculino, são listados 24 horas em gigantescas telas de monitores que detectam falhas no sistema telefônico. Aparentemente, até o estabelecimento desse centro em Melbourne, essas funções eram executadas através de trocas localizadas, que ocorriam em toda a Austrália. A decisão de centralizar significou uma realocação dos homens que haviam realizado essas funções anteriormente, em todos os estados do país. Do mesmo modo que os trabalhadores da fábrica de carros, esses homens estão condenados a um trabalho repetitivo e monótono, além de terem sido deslocados de seus estados de origem.

Email e internet, ao fornecerem um acesso imediato sem precedentes a material pornográfico, têm oferecido um novo veículo para expressar e, na minha opinião, contribuir e reforçar elementos negativos dentro da vida organizacional. Minha hipótese é de que há circunstâncias nas quais o abuso dos sistemas de email através da transmissão de material pornográfico e ilícito, tornam mais provável que isso ocorra do que outros locais. Essas circunstâncias incluem tipos de trabalho que originam a necessidade de defesa contra sentimentos perturbadores e geradores de ansiedade, ou o trabalho em ambientes que são despersonalizantes e destituídos de sentido. Uma vez que a perversão do email tenha se iniciado, eu sugiro que as imagens, em si, servirão para perpetuar e expandir o sentido de alienação e brutalidade.

Como meio de comunicação, as mensagens por email parecem ser altamente passíveis de transmitir sentimentos cindidos e expelidos. A limitação à representação gráfica, bem como o funcionamento real do sistema de mensagens podem facilmente dar suporte a:

  • comunicação despersonalizada, bem como
  • interação e resposta não-imediatas
  • transmissão em massa

Além disso, o próprio meio parece prontamente acessível à mobilização de aspectos 'splitados' do self e da organização. Num trabalho anterior para um seminário, eu (Allan) explorei o que eu entendi como uma experiência crescente de desincorporaçao na vida organizacional. A comunicação eletrônica rapidamente crescente entre gerência e funcionários (e também entre colegas) - tanto para distâncias longas como curtas - tem facilitado cada vez menos contato 'incorporado/corporificado' entre as pessoas nas organizações. Emails também têm permitido que se faça muitos vínculos. Mas a capacidade de cindir é o que interessa aqui. A cisão e expulsão (split off) de pensamentos e sentimentos dos 'corpos' e a cisão de afetos de pensamentos (que parece ter sido facilitada pelas limitações unidimensionais da comunicação por email), encontra um paralelo na experiência crescente de desintegração nas economias de mercado global.

Eu acredito que haja processos significativos de distanciamento que operam atualmente - fora da consciência ou intencionalidade do indivíduo. Eu penso que eles são tanto uma conseqüência das atuais forças e processos de mercado, como agem ciberneticamente ou sistemicamente para exacerbar a experiência de 'desincorporação' que eu penso que cada vez mais caracterizam muitas dimensões da vida corporativa hoje.

Um trabalhador me disse que tinha vivido uma terrível insegurança com relação ao emprego - com possibilidade de ter que encarar redundância (isto é, deixar de ser necessário - n.t.) - durante cerca de um ano. Ele não podia pedir ao seu gerente para esclarecer sua situação, uma vez que o próprio gerente também se deparava com a possibilidade de 'redundância'. Ambos sentiam ansiedade crônica, insônia crônica, depressão, moral baixo, perda de lealdade, perda de interesse em seu trabalho. Independentemente, eles sentiam que estavam perdendo a cabeça, perdendo sua capacidade de validação, liderança e gerência em suas áreas de trabalho. Era uma escalada que eles percebiam como se começasse em espiral desde um vácuo de autoridade que eles sentiam que emanava da sede na Europa, que eles também sentiam que estava perdida no espaço - ciberespaço - uma vez que as instruções eram freqüentemente dadas por emails 'desincorporados'. Minha hipótese é que a administração da sede preferia - inconscientemente - manter tanta distância quanto possível de sua equipe ansiosa, ao passo que a equipe desejava e precisava de proximidade e contato com a sede para apaziguar sua ansiedade. O distanciamento é então uma maneira de evitar o contato com o sofrimento da equipe angustiada. No entanto, essa falsa economia leva a desastres ainda maiores.

Eu faria a hipótese de que, na medida em que as organizações hoje em dia têm que se deparar com as pressões do mercado, globalização, racionalismo econômico, e mídia eletrônica alienante, elas se movem na direção de um funcionamento que se caracteriza por aquilo que Alastair Bain e colegas chamam de "Pressuposto Básico do Eu-mesmo". Essa é a posição inconsciente, influenciada narcisisticamente, e cada vez mais encontrada nas organizações, onde os membros se voltam para dentro de si, e agem com pouca consideração em relação à gestalt organizacional da empresa.

A recente cobertura televisiva da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Sydney ofereceram uma oportunidade interessante para explorar a capacidade da televisão de atuar como um meio de engajamento social. A Cerimônia de Abertura dos Jogos representou para o mundo aspectos da vida australiana. O conteúdo da cerimônia incluiu representações da vida primitiva, vida na praia, desenvolvimento rural, o 'grande sonho australiano' de uma casa num quarto-de-acre, com os ícones tradicionais do cortador de grama e o içamento da bandeira - símbolos um pouco modestos e engraçados. A qualidade de 'macho', também demonstrada através de imagens fortes de estruturas de aço, e jovens em danças robustas; e em larga escala, representações bastante dramáticas da vida aborígene australiana. Além disso, as dimensões ocidentais e aborígene foram apresentadas através de cenas tocantes de uma bela e jovem menina branca de mãos dadas com um idoso aborígene - imagens tocantes da reconciliação branco/aborígene. Ainda mais importante, o tom da performance também representava as características australianas de extravagância, irreverência em relação à autoridade, modéstia e 'understatement' (quando se atenua o que se quer dizer, dando uma impressão de importância menor, mesmo quando é muito importante, muitas vezes com senso de humor - n.t.). Tudo isso num show de competência, brilho artístico e ótima diversão. A performance culminava numa cerimônia espetacular de acender a tocha, realizada pelas mulheres australianas nas Olimpíadas - na verdade, ela foi acesa por Cathy Freeman, o símbolo icônico da mulher aborígene australiana mais bem-sucedida. A despeito de alguns receios pré-Olímpicos, e de uma sensação de bajulação cultural, o impacto do quadro geral da Cerimônia de Abertura foi notável. A discussão pública em geral, nos programas de rádio e na imprensa, foi extremamente positiva, animada e otimista. As pessoas diziam ter sentido uma forte resposta emocional enquanto assistiam à cobertura. Isso incluía um sentimento de orgulho nacional e muitas lágrimas de alegria e emoção. Havia um sentimento de que a Austrália estava em exposição para o mundo, e resplandecia. Havia também algumas visões minoritárias a respeito da escolha de Cathy Freeman para acender a tocha Olímpica. Eram geralmente comentários cáusticos e racistas. Os editoriais dos jornais respondiam geralmente com críticas a essas cartas.

Minha hipótese é que a substância e o tom da Cerimônia de abertura captou o espírito de reconciliação que é uma preocupação atual na Austrália. No entanto, o meio de transmissão pública - a televisão - teve a capacidade de provocar uma resposta emocional intensa e identificação com as imagens, sons, atmosfera e intenção que a transmissão pôde capturar. Eu sugeriria que a natureza multi-sensória desse meio eletrônico contribuiu para a capacidade de evocar respostas do tipo encontrado na posição depressiva. Eu penso que o que foi digno de nota, foi a qualidade do clima, da atmosfera, da transmissão. Embora eu não pretenda demonstrar expertise na filosofia, técnica ou política da mídia, foi muito interessante - de uma perspectiva sócio-analítica - observar como a qualidade de grupo/grupalidade e a forte identificação emocional pareceram ser atingidas pela transmissão. Não foi verificado o quanto isto tem sido mantido. No entanto, eu penso que este meio (em especial neste contexto de orgulho nacional e animação aumentados) mobilizou defesas sociais da posição depressiva, facilitando a preocupação e consideração, respostas reparadoras e amorosas, e uma forte identificação, e possivelmente introjeção de uma relação conteúdo-continente produtiva, onde as cisões do comportamento coletivo atual e passado pareceram estar poderosamente reconciliadas, ao menos no período que cercou os Jogos Olímpicos. Também é necessário considerar que, através da grandiosidade dos Jogos Olímpicos, estas seriam defesas maníacas da 'posição depressiva coletiva'.

Neste artigo nós levantamos a hipótese - e esperamos ter demonstrado pela teoria e exemplos - de que a mídia eletrônica pode ser mobilizada para atuar a serviço de defesas sociais. As mobilizações particulares estão conectadas ao contexto, substância e processos emocionais que operam socialmente no momento.


(*) Allan Shafer é sócio-analista, psicólogo clínico e psicoterapeuta.
Contato:
5/172 Scarborough Beach Road; Mt Hawthorn, Perth, Western Australia 6016
Ph: 08 9443 8545 Fax: 08 9443 8547
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norwood@iinet.net.au

(**) Suzy Nixon é psicóloga, psicoterapeuta e consultora organizacional.
Contato:
Suzy Nixon & Associates Pty Ltd; 129 Park Drive, Parkville, Victoria 3052
Phone: 61 3 9349 - 4460 Fax: 61 3 9349- 4460
Email:
suzy@alphalink.com.au

 

 Artigo publicado no site do InterPsic: http://www.interpsic.com.br/saladeleitura/texto17.html , São Paulo. 2.001