Esclarecimentos


Algo vai muito mal na
educação brasileira

Por Marco A. F. Velloso  1

Estas linhas de esclarecimento constituem, na verdade, uma denúncia.
Nunca sabemos quando as armadilhas vão nos alcançar numa esquina da vida, ou, nesse caso específico, num nó qualquer da rede virtual. Mas, quando nos pegam, temos que resolvê-las de alguma forma.
Vou contar-lhes uma série quase incrível de eventos fortuitos - mais próprios de um folhetim de aventuras virtuais de segunda classe do que de um ambiente sério de investigação psicossocial como o do InterPsic – eventos esses que se abateram sobre nós e que nos têm dado muito trabalho nos últimos dois anos.
Vou procurar relatar os fatos, descrever as diversas tentativas de solução que procuramos adotar e, ao final, tirar algumas conclusões pouco elogiosas sobre os resultados do processo educacional em nosso meio.

O começo da história

Mantemos em nosso site 2  um Livro de Visitantes  3  concebido para o registro das mensagens dos que nos visitam. Tem por finalidade permitir um modo vivo de interação conosco, com nossa página e com as demais pessoas que nos visitam.
Acreditamos que, mantê-lo, faz sentido e pretendemos que continue a servir a tal objetivo.
A partir do final de 2003, no entanto, observamos um aumento significativo de mensagens solicitando auxílio no desenvolvimento de trabalhos escolares por parte de alunos vinculados a cursos da mais variada natureza, principalmente estudantes universitários, mas, também, muitos pós-graduandos.

A armadilha dos motores de pesquisa

Na verdade, o que ocorreu conosco foi um desses fenômenos próprios do mundo virtual: algumas pessoas haviam inserido, uma vez aqui, outra ali, mensagens solicitando apoio para a elaboração de monografias, projetos, dissertações, pesquisas, etc.
Estas mensagens eram respondidas, como é do nosso costume, com seriedade e generosidade, oferecendo informações úteis, sempre que possível, sem qualquer solicitação de retribuição pecuniária.
Como nossas páginas são indexadas nos principais motores de pesquisa da Internet, palavras tais como projeto, monografia, TCC, dissertação, e outras assemelhadas, foram capturadas pelos mesmos, seguindo-se daí que outras pessoas, pesquisando por elas, eram remetidas de volta até nós.
A conseqüência foi que, elas também, inseriram mensagens solicitando apoio a seus projetos.
Numa seqüência inexorável, os motores de pesquisa recapturavam essas palavras chaves, colocando-nos cada dia mais no top de seus ranks, realimentando indefinidamente o processo.

Uma constatação desagradável

Até aí, tudo bem: estávamos diante de um fenômeno, em si mesmo, nada excepcional para quem conhece o funcionamento da rede.
A primeira descoberta desagradável, no entanto, surgiu pouco depois.
Constatamos que, valendo-se do fato de os endereços eletrônicos de nossos visitantes estarem sendo publicados na página, eram a eles enviadas por terceiros, sem qualquer vínculo conosco, ofertas de elaboração de trabalhos escolares mediante cobrança de valores pecuniários.
De repente, não mais que de repente, como diria o poeta, percebemos que existe um verdadeiro comércio de "venda" de trabalhos escolares na Internet e que seus operadores estavam utilizando, sem a menor cerimônia, as informações ingenuamente veiculadas por nós.

Nosso veemente repúdio

O InterPsic, obviamente, não avaliza tais práticas, considerando-as eticamente repreensíveis, questionando, inclusive, sua legalidade. A apresentação de trabalhos acadêmicos elaborados por terceiros, além de falsear a avaliação do aluno por seus professores pode ser facilmente caracterizada, no mínimo, como crime de falsidade ideológica. A organização de grupos "especializados" neste tipo de "serviço" equivale, em termos criminais, à formação de quadrilha.
Por esta razão, tivemos que adotar medidas excepcionais para que nossa imagem institucional não viesse a ser envolvida em práticas criminosas como essas.
Sentimos-nos obrigados, em primeiro lugar, a deixar de publicar automaticamente os endereços de nossos visitantes e passamos a deletar sistematicamente referências, eletrônicas ou não, que pudessem facilitar qualquer contato com os autores das mensagens.
Introduzimos respostas ácidas, em vermelho, de modo a desencorajar mensagens desse tipo.
No caso de necessidade relevante de contato com qualquer dos visitantes, solicitávamos que nos fosse enviada mensagem diretamente ao nosso Webmaster com explicitação do motivo da solicitação.
Se julgássemos a solicitação pertinente, poderíamos solicitar ao outro visitante autorização para estabelecer o contato.

Um projeto especial

O volume de solicitações foi crescendo ao ponto de termos recebido, em alguns dias, mais de quarenta mensagens deste tipo.
Decidimos, então, desenvolver um projeto especial de atendimento a estas solicitações, propondo reuniões quinzenais com os interessados em desenvolver trabalhos acadêmicos abertas à participação pessoal ou virtual, inclusive com a utilização de nossa WebCam live concomitante com nosso Web Chat.
Durante mais de um ano procuramos atender às solicitações de auxílio na elaboração de trabalhos acadêmicos através deste programa.
Infelizmente, constatamos que os solicitantes não se dispunham a se integrar em nossa proposta, que pressupunha assumir um vínculo de interação regular e compromisso com a elaboração própria de seus trabalhos.
Muitos declaravam, já em suas mensagens, que desejavam adquirir trabalhos prontos, apesar das inúmeras advertências registradas na página em que explicitávamos, sem meias palavras, nossa opinião contrária a práticas desta natureza.
No decorrer destes dois anos, tivemos uma presença pessoal em uma das reuniões por nós promovidas e três participações virtuais através do sistema combinado de WebCam live + Chat.
A constatação inevitável foi a de que nossos visitantes não estavam demandando um auxílio efetivo para a elaboração de seus trabalhos: seus objetivos eram imediatistas. A demanda era mais do que pontual: era francamente oportunista.
A condição fugidia desses visitantes pedintes não permite o estabelecimento de um vínculo que viabilize qualquer interação criativa que mereça este nome.

Denúncias

Dado o volume das solicitações, a insistência de “vendedores de trabalhos escolares” em inserir mensagens na página, e a constatação de que nossos esforços eram insuficientes diante do verdadeiro assédio que estávamos sofrendo, fizemos denúncia, via Internet, ao Conselho Federal de Educação, à Polícia Federal e ao Comitê Gestor Brasileiro da Internet.
Também nestes casos, o resultado foi nulo.
Não parece haver sensibilidade das autoridades para este fato.
O único lenitivo que tivemos foi o da manifestação de alguns professores universitários que se sensibilizaram com o fato e se dispuseram a colaborar na medida de suas disponibilidades (aos quais aqui, sensibilizados, agradecemos), além de uma mensagem aqui e outra ali de solidariedade ao nosso esforço.

Suspensão do projeto

Dados os fatos acima, a partir de agosto de 2005 suspendemos nosso programa de atendimento a solicitações de auxílio à elaboração de trabalhos acadêmicos.
Divulgamos esta decisão da forma mais enfática possível na página, remetendo os verdadeiramente interessados em intercâmbio de idéias e informações ao Interfórum, nosso grupo de discussão virtual.
Apesar disso, as mensagens de solicitação de auxílio continuam chegando...

Mantendo o registro

Manteremos o registro de todos esses eventos, dos pedidos de auxílio na elaboração de trabalhos acadêmicos e dos assédios dos vendedores de monografias e teses, por duas razões fundamentais:

  • Em primeiro lugar, para continuarmos consistentes com a proposta deste site, que é a de se constituir, por si mesmo, como um espaço de constante experimentação psicossocial das interações virtuais.
  • Em segundo lugar, como testemunho de um fato objetivo, que consideramos especialmente relevante, neste momento, na atualidade da educação brasileira: o tipo de demanda que aqui emergiu caracteriza, ao mesmo tempo, uma constatação e uma denúncia de alguns óbvios problemas presentes em nosso sistema educacional. De um lado, um problema ético, já que nossos estudantes parecem não reconhecer os limites necessários para uma avaliação da aprendizagem isenta e honesta. De outro, a miséria cultural existente por trás destas demandas: a leitura das solicitações é suficiente para a constatação do domínio pobre do vernáculo e da falta de imaginação na aplicação dos conhecimentos que pressupostamente adquiriram em seus anos de estudo.

Algo vai muito mal na
educação brasileira


Acreditamos que tudo o que está aqui documentado merece séria consideração da parte das autoridades públicas e das instituições universitárias, além de se constituir, por si só, num intrigante desafio para aqueles que, como nós, se comprometem com a mudança social, com a educação e com a promoção de valores humanísticos na sociedade contemporânea.

Algo vai muito mal na educação brasileira... e esse problema atinge a todos nós.


1 - voltar Velloso, Marco A. F. Filósofo, psicanalista e Diretor do InterPsic S. C. Ltda. http://www.interpsic.com.br/perfil/direcao.html .

2 - voltar http://www.interpsic.com.br .

3 - voltar http://www.interpsic.com.br/interacao/livrodevisitantes.html .