Conceitos de retribuição e sustentabilidade


Indagar sobre o mundo contemporâneo, investigar o humanismo possível na sociabilidade entre sujeitos frente à ruptura civilizatória que vivemos exige, inevitavelmente, questionar o sentido das mediações presentes nas relações cotidianas entre seres humanos.

O valor-fetiche capitalista — moeda expropriada da concretude das relações reais entre seres humanos — que se propõe como critério último para mediar as relações de troca entre sujeitos na civilização atual (pois são vistos unicamente como atores integrantes de um mercado cada vez mais extenso e global), é impróprio para esta finalidade: nos tempos presentes, mais do que nunca, serve à violência, à dominação e ao genocídio em escala planetária.

Nosso projeto é uma proposição de tarefa na qual todos os participantes, movidos por suas necessidades, possam se engajar. Cada qual em um papel diferenciado, se articula com os demais, tolerando frustrações e procurando produzir os meios possíveis de, em parte, satisfazê-las. É na medida que a tarefa oferece respostas realistas às necessidades dos participantes que ela se legitima, merece ser preservada e sua continuidade deve ser garantida: surge assim o cerne do compromisso. É do interior desse movimento que surge a descoberta dos critérios éticos que a presidem, do sentido radical do valor do humano que ela comporta: olho no olho, entre sujeitos concretos, situados e relacionados, transpassados, ao mesmo tempo e a cada momento, por frustrações e satisfações. A ética, então, é a do comprometimento mútuo com as condições necessárias à sustentação dessa tarefa.

É na trama discreta desse compromisso — desprovida de pompas e andores —, na tolerância do entrechoque de necessidades e frustrações, e na tentativa reiterada a todo instante de produção de algo novo que mais uma vez frustra e satisfaz, que a dimensão mais profunda das idéias de retribuição e sustentabilidade surgem como mediações necessárias para as relações de sociabilidade entre sujeitos.

Retribuição resulta do compromisso entre sujeitos que no desempenho de sua tarefa comum, buscam a satisfação de suas mútuas necessidades, tolerando ao mesmo tempo suas frustrações.

Por isso, na conversagem (conversa + aprendizagem), processo e produto fundamental dessa tarefa, o compromisso primeiro é com a interação ativa, participativa, voltada para a construção do novo. Sem fetiches no entremeio: por isso não conferimos certificados. Não somos uma instituição acadêmica, nem nos propomos a integrar o sistema oficial de ensino. Não nos outorgamos poder autorizante sobre quem se engaja na conversagem: quem certifica a aprendizagem é o próprio sujeito que aprende, na sua relação de mútua modificação com o mundo em que vive.

O compromisso de retribuição pela participação é condição necessária, mas não suficiente, para a sustentabilidade do projeto: há condições econômicas que têm que ser encaradas com realismo.

Como sustentar um projeto desta natureza, cujas proposições remetem a referenciais socialistas, num mundo capitalista? Como não desgarrar do real, para terminar com os pés solidamente plantados no ar?

Há muitos anos o InterPsic procura se pautar, nesse campo, a partir dos dois velhos e salutares princípios socialistas:

  • A cada um segundo suas necessidades
  • De cada um segundo suas possibilidades

Na prática, isso significa adotar duas posturas fundamentais:

  • Ninguém é excluído de nossas atividades por motivos econômicos
  • Todos devem assumir o compromisso ético de retribuir o que recebem ao participar da tarefa contribuindo para sua sustentação, segundo suas possibilidades

Numa sociedade como a nossa, essa retribuição pode assumir duas formas básicas: a do trabalho, e a do valor pecuniário, como as duas faces, cara e coroa, da moeda.

A questão que se põe, no caso, é a de recuperarmos o sentido humano da troca, qualquer que seja a face escolhida da moeda.

Na relação “cara”, olho no olho, prioritariamente destinada a quem se engaja na tarefa e tem possibilidades restritas de contribuição pecuniária, solicita-se o ingresso em equipes de apoio com tarefas específicas, de caráter promocional ou administrativo. Isso é equacionado caso a caso, segundo as possibilidades de contribuição de cada um.

Na relação “coroa”, surge a inevitabilidade dos dígitos, para expressar valores pecuniários. No entanto, tais dígitos não podem nos remeter simplesmente ao fetiche do valor, devem ser uma oportunidade de redescoberta do sentido da retribuição na relação entre pessoas, exigindo, em muitos casos, um ajuste complementar, olho no olho, com o participante.